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O Percurso
Partir em direção ao norte do Estado do Rio de Janeiro é ingressar em um universo de contrastes profundos. Trata-se da região com maior PIB per capita do estado, em razão da exploração de petróleo na Bacia de Campos. Esse fenômeno muito particular vem contribuindo para transformar a feição da maior parte das cidades, não raro apagando vestígios de outros tempos. Museus e referências ao patrimônio histórico e cultural resguardam a memória da região, que está se transformando rapidamente.
Trata-se da região com maior PIB per capita do estado, em razão da exploração de petróleo na Bacia de Campos
Nesse cenário de importantes empreendimentos econômicos e urbanísticos, alavancados pela indústria petrolífera, a cidade de Campos dos Goytacazes vem confirmando o protagonismo na região. Protagonismo que atravessou diferentes períodos históricos, desde tempos remotos em que os jesuítas ali instalaram uma fazenda voltada para o aldeamento dos índios goitacases e para a produção econômica, visando à sustentabilidade da ordem religiosa. De lá para cá, a cidade viveu épocas sucessivas de empoderamento, das quais se destaca o período áureo do plantio e da comercialização da cana-de-açúcar, fonte de enriquecimento de grandes fazendeiros durante o século XIX. Os vestígios desses tempos ali estão em alguns casarios, em algumas fazendas e, sobretudo, nos museus.
O mais antigo é o Solar do Colégio, onde está sediado o Arquivo Público Municipal de Campos dos Goytacazes. O prédio constitui- -se numa relíquia da maior relevância para os estudos históricos de uma dimensão nacional.
O complexo arquitetônico foi construído entre 1650 e 1690 pelos irmãos da Companhia de Jesus do Rio de Janeiro, seguindo a planta de mesmo partido adotado em todos os colégios jesuítas: quatro alas, claustro assemelhado a um pátio interno e igreja. As paredes feitas de alvenaria de tijolo têm espessura de setenta centímetros. Os vãos de abertura apresentam moldura de pedra no térreo e madeira no segundo pavimento. Na fachada principal, destacada da sobriedade do conjunto, a capela com sobrevergas e porta almofadada. A torre do campanário tem a altura do frontão ondulado.
A medalha que aparece no frontão indica as datas de antigas reformas em 1803 e 1934. A finalização do telhado é em beira-seveira.
Foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1946. Em 1977, foi desapropriado pelo governo do estado. Depois de longo abandono, o processo de restauração de seu conjunto teve início em 1995. Um projeto elaborado pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) viabilizou a cessão do prédio ao município para a instalação do arquivo público. Hoje, o antigo Solar do Colégio está vinculado à Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, órgão da prefeitura municipal de Campos dos Goytacazes, tendo sido inaugurado em 2002.
Com séculos de história, o prédio impacta o visitante e estimula a imaginação sobre suas diferentes ocupações e relevantes missões. Atualmente, guarda importante acervo arquivístico para a pesquisa, do século XVI aos nossos dias, inclusive documentos de escravos, entre os quais, ação de liberdade, devolução de escravo, furto, óbito, nascimento, impostos, escritura e testamento.
Com séculos de história, o prédio impacta o visitante e estimula a imaginação
Destacam-se ainda o Museu Histórico de Campos e o Museu Olavo Cardoso. O primeiro, instalado num prédio histórico, o Solar do Visconde de Araruama, apresenta a trajetória da cidade em exposições permanentes e temporárias. O segundo é um museu-casa, onde o visitante pode conhecer um pouco dos hábitos e costumes das elites campistas da primeira metade do século XX. Instalado na antiga residência de Olavo Cardoso, proeminente usineiro e filantropo campista, o museu expõe um acervo de mobiliário, louças, quadros e vestimentas. A casa, com 12 cômodos, é uma construção do fim do século XIX com face para a rua, porão e jardins. O salão principal serve de antessala para os quartos e a sala de jantar. Além de focalizar a memória de seu patrono, preserva e divulga a memória da própria cidade de Campos dos Goytacazes.
Já em Quissamã, somos surpreendidos por um conjunto patrimonial peculiar. As antigas residências dos fazendeiros de açúcar foram restauradas e um trabalho de educação patrimonial e formação de guias abre ao visitante a perspectiva de conhecer um pouco mais sobre a memória e a história locais.
A Casa Quissamã integra um dos registros iconográficos mais importantes sobre o século XIX: o livro Brazil pittoresco, primeira obra de viajantes publicada na América Latina, em 186
O Museu Casa Quissamã está instalado na antiga sede da Fazenda de Quissamã, símbolo nobiliário da região e residência de um dos mais influentes homens de seu tempo, José Carneiro da Silva, Barão e Visconde com Honras de Grandeza de Araruama. Centro produtor, base econômica e política da capital do Império, a Casa Quissamã integra um dos registros iconográficos mais importantes sobre o século XIX: o livro Brazil pittoresco, primeira obra de viajantes publicada na América Latina, em 1861. As litografias que a compõem foram feitas a partir de fotografias tiradas por Victor Frond, hóspede em Quissamã, com texto de Charles Ribeyrolles.
Da varanda, situada no corpo central da casa, o visitante é convidado a observar a aleia de palmeiras imperiais e um centenário baobá, árvore sagrada para antigos escravos vindos da África e que ali está graças à diligência de um escravo que trouxe de além-mar uma semente para seu plantio em terras brasileiras.
Da varanda o visitante é convidado a observar a aleia de palmeiras imperiais e um centenário baobá, árvore sagrada para antigos escravos vindos da África
Assim como diversas outras propriedades imponentes construídas no século XIX na região, e que foram adquiridas com suas terras pela Cia. Engenho Central de Quissamã, o que restou do solar ficou abandonado durante várias décadas. Recentemente, a propriedade foi adquirida pela prefeitura municipal de Quissamã, restaurada e transformada no Museu Casa Quissamã, futura sede do Parque Municipal que utilizará o trecho local do canal Campos-Macaé como área de lazer.
Ainda em Quissamã, o Complexo Cultural da Fazenda Machadinha é um dos pontos altos de um percurso de visitação a museus e referências patrimoniais nessa região. A Fazenda Machadinha, bem tombado desde 1979, é formada pela casa grande, hoje em ruínas, por antigas senzalas preservadas pelos próprios moradores – descendentes dos escravos que ali permaneceram após a abolição –, pela antiga cavalariça e pela capela de Nossa Senhora do Patrocínio.
En 2001, a prefeitura de Quissamã criou o Memorial sobre a origem dos negros de Quissamã e a Casa das Artes
Em 2001, a prefeitura de Quissamã desapropriou todo esse conjunto, restaurou as antigas senzalas, criou o Memorial sobre a origem dos negros de Quissamã e a Casa das Artes, ligada ao projeto Raízes do Sabor, e a manifestação de danças como o fado, o jongo e o boi malhadinho, típicas da época da escravidão.
Em 2009, as famílias remanescentes dos antigos escravos, que ainda viviam na Machadinha, tiveram reconhecida a propriedade definitiva das terras e dos imóveis, sendo oficialmente reconhecidos como uma comunidade quilombola. Esse reconhecimento deveu-se ao fato de o conceito de quilombo ter sido revisto nas últimas décadas, abrangendo grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida. Esse é o caso dessa comunidade que manteve modo de vida próprio, possuindo laços familiares entre si. Todos descendem de apenas duas famílias que nasceram ali, e os que saíram em busca de trabalho e moradia em outro local continuaram mantendo contato com a região e seu estilo de vida.
O visitante não pode deixar de conhecer alguns dos vestígios de memória em Macaé, como o Solar dos Mellos – Museu da Cidade de Macaé
O visitante não pode deixar de conhecer alguns dos vestígios de memória em Macaé, como o Solar dos Mellos – Museu da Cidade de Macaé. O próprio prédio, um singelo chalé de fundo romântico, construído em 1891, reforça o contraste com o panorama atual da cidade. Obra do mestre português Manuel Ribeiro Capellão, do carpinteiro Affonso de Souza e do pintor Alfredo de Almeida, foi construído a mando do coronel Bento de Araújo Pinheiro, sediando, mais tarde, a residência da família Mello. Vinculado à Fundação Macaé de Cultura, o Solar também abriga a sede da Subsecretaria de Acervo e Patrimônio Histórico (Semaph) e o Centro de Memória Antonio Alvarez Parada. Em seus jardins, é possível assistir a filmes e participar de eventos culturais, como o Café Literário, no qual cronistas da cidade compartilham com o público lembranças de uma Macaé que não existe mais.
Partindo em direção ao Noroeste Fluminense, destaca-se o Museu e Casa de Cultura de Aperibé. A instituição está instalada numa antiga estação de trem, construída em 1896, preservando também uma antiga e representativa edificação da cidade. Guardião da memória e da identidade aperibense, esse “espaço de memórias” permite que o visitante conheça antigas formas de morar e de conviver na região por meio de objetos que foram doados pelos próprios moradores da cidade e que estão impregnados por marcas pessoais e coletivas. Para o pesquisador da memória e da história fluminense, a instituição constitui um “achado” repleto de fontes e de referências.
Ainda na Região Noroeste, no município de Bom Jesus do Itabapoana, encontra-se o Espaço Cultural Luciano Bastos, inaugurado em agosto de 2011. Trata-se de uma iniciativa familiar para preservar, na sede do Colégio mais tradicional da cidade, não só a trajetória dessa importante instituição, mas também a história do município.
Muito ainda há por fazer com relação à dinamização e à construção de equipamentos culturais e museus numa região com tantos vestígios relevantes de memória para o estado do Rio de Janeiro e mesmo para o país. Os museus existentes nos chamam particularmente a atenção por constituírem empreendimentos da vontade de memória dos representantes da sociedade civil ou da administração pública. Torcemos para que iniciativas como essas proliferem.
Vídeos
Museus Incluídos
no Percurso
Solar do Colégio - Arquivo Público Municipal - Campos dos Goytacazes, RJ
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Solar dos Mellos - Museu da Cidade de Macaé - Macaé, RJ
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Museu Casa Quissamã - Quissamã, RJ
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Museu Olavo Cardoso - Campos dos Goytacazes, RJ
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Complexo Cultural Fazenda Machadinha - Quissamã, RJ
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