Jayro Xavier
Os deuses pereceram,
aqueles deuses, Fábio,
de Ovídio, oh aqueles
de sonho e carne deuses
vingadores, de Jove
apenas temerosos.
É morto o próprio Zeus,
ou come o pão do exílio
numa ilha sem nome,
erma, erma de vida,
onde a pobreza chora
de Nume, entre salgueiros.
Agora somos nós
que alçamos vôo em vão.
Agora somos nós
e naves, nós e nada.
Nós, morituri, os próprios
homens, para imitar
o mito. Nós, ó Fábio,
aves de bico adunco
no vácuo imponderável.
Mais feros do que Júpiter
em toda a sua cólera,
menos votados à
Justiça. Nós, que o Orbe
semeamos de ogivas
e agora abrimos túneis
na terra, temerosos
de nossa aérea flora.
Os deuses, suas armas
trovões e raios eram,
fúrias do mar, e fogo.
Nenhum de sua Ordem
a energia acordou,
que dorme no silencioso
dínamo das coisas.
Mais simples eram,
e humanos, mais radiosos.
Mortos os deuses, morto
Júpiter, outro ciclo
se abriu, sem brilho, aos homens
confiado; outra Idade,
desvendado o secreto
segredo da matéria.
Primavera e verão
se perderam, e a dos frutos
doce estação, e aquela
de duração mais longa
e mais gelado clima,
a todas sucedendo
uma estação sem nome,
não-estação, Idade
Urânia, assi chamada.
Pudesse lhe dizer
dos campos áureos: altas
alvas nuvens por sobre
as árvores e os rios;
ou dos aêneos campos
ainda surcados pelo
arado! Mas nem Ceres,
nem os caprinos seres
subsistem, que as florestas
habitavam. Nem Tebas.
Nem, em Quios, aquele
adolescente, aquele
donoso deus de alegre
rosto, seus rastos sobre
a areia. Uma Cidade
construída no tempo
nos invade. Não somos,
não podemos. Dos deuses
aprendemos apenas,
coa vingança, essas asas,
esse fluir no espaço,
aéreos e terrenos.
Pois em verdade, Fábio,
há entre ter e ser
todo um caminho a per
correr, aprendizagem
do homem na direção
do Homem, ser divino,
feito de água e
ar e fogo e terra e tempo.
(Eis a 1a EPÍSTOLA de IDADE DO URÂNIO: cinco epístolas em tom de elegia. Ed. Cátedra, 1974)
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