João Caetano Pimentel Vargas |
Seria mais uma daquelas histórias que só ouvimos nos contos de fadas. Que fala de um reino e de como as pessoas eram felizes ali. E que houve um tempo em que uma grande ameaça rondou esse reino, mas as pessoas se juntaram para lutar, para que tudo voltasse a ser como era antes. Seria um conto, se não fosse a vida. As páginas da história às vezes repetem aquilo que está na literatura. É aquele antigo paradoxo, é a arte que imita a vida ou será que é a vida que imita a arte? Quando o mundo surgiu a arte não existia. O ser humano se preocupava em caçar e procurar abrigo, para poder simplesmente alimentar e proteger sua família. De onde então surgiu a arte? Quem foi a primeira pessoa que percebeu, por exemplo, que sua voz poderia servir para outra coisa que não fosse se comunicar? Estaria ela em algum estado de graça, ao, pela primeira vez cantarolar uma melodia? Como será que foi a reação das outras pessoas que estavam à sua volta?
A arte surgiu da necessidade do ser humano de transcender. De ir além daquilo que era palpável, tangível, para poder alcançar o imaginável. De subverter todas as regras sociais e emocionar. E a música é uma de suas mais geniais expressões. Como pode, numa pequena vila, afastada de tudo aquilo que circulava nas grandes metrópoles, há mais de cem anos atrás, numa época em que não havia internet, televisão, telefone, nem sequer rádio? Vocês sabiam, por exemplo, que a primeira transmissão de rádio feita no Brasil, foi feita pelo antropólogo Roquette-Pinto, no ano de 1922? Exatamente no ano em que um grupo de músicos se reuniam num pequeno vilarejo, no interior do Estado do Rio de Janeiro, para formar uma banda de música. E eu volto a me questionar. Como pode numa época em que se tinha tanta dificuldade de conexão e difusão de informação, essa banda ter nascido?
Só que isso não é o mais incrível nesse conto de fadas. O mais incrível, é alguém imaginar que mais de 100 anos depois, essa banda ainda vive. Ela não apenas existe, ela fascina, ela carrega a história das pessoas desse lugar. Ela tem em seu DNA um pouco de cada família de Rosal. Será que aquelas pessoas lá atrás, quando fundaram a Lira 14 de Julho, imaginavam que ela iria atravessar o século e permanecer viva, ativa, e mais, sendo uma referência para toda uma região quando o assunto é arte? A Lira 14 de Julho é formada por pessoas que são capazes de transformar sonho em realidade. De transformar contos de fadas em histórias reais. São capazes de sublimar momentos e eternizar nos corações e mentes das pessoas um pedacinho daquilo que imaginamos que deve ser o céu.
É claro que sempre seremos gratos a todos aqueles que iniciaram essa história, àqueles que fizeram parte e colocaram ali o seu tijolinho para ajudar a erguer esse castelo. Cada um que foi passando, foi deixando a sua marca, a sua contribuição, ao seu modo. Mas eu gostaria de me dirigir a esses músicos que estão aqui, presentes hoje na 14 de Julho. E eu tenho certeza que falo em nome de todos os rosalenses, ausentes e presentes. Muito obrigado. Eu queria que vocês fossem capazes de compreender o tamanho de nossa gratidão e orgulho por tudo que vocês fazem. Palavras nunca serão suficientes para agradecer e homenagear vocês por tudo que vocês fazem por nossas vidas.
Vocês nos transportam para um conto de fadas. E cada um de nós carrega esse conto, essa fantasia, dentro de nossos corações. Eu tenho a minha fantasia própria aqui mesmo agora comigo. É só eu fechar os olhos e lembrar. De quando era criança, e estava deitado no aconchego da casa de meus avós, bem aqui ao lado, dormindo. E de repente era acordado por ela. Eu ainda ouvia lá ao longe bem distante o seu som. E aos poucos esse som ia crescendo e se espalhando pelas madeiras do assoalho da casa que ressoavam suas notas e reverberavam os tambores e demais instrumentos percussivos. E a música ia tomando conta dos quartos, de toda casa, de cada coração. Quando menos percebia eu estava pendurado na janela, com os olhos paralisados, brilhando, em estado de graça. Mas isso não bastava. Eu precisava correr atrás da banda, como sigo correndo até hoje, como todos nós aqui seguimos até hoje. É isso que vocês fazem, componentes da Lira 14 de Julho. Vocês tornam possível o devaneio mais irresistível que existe no inconsciente de cada pessoa. Que é o de poder voltar a ser criança um dia. É assim que nos sentimos correndo atrás da banda e isso só é possível graças a vocês.
Gostaria de finalizar com um curtíssimo poema de Carlos Drummond de Andrade, chamado “Memória”. Ele diz assim:
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Parabéns, Lira 14 de Julho, nossos infindáveis aplausos a cada um de vocês! Muito obrigado por tudo!!! Viva a 14 de Julho!!!
Rosal, 14 de julho de 2023.
João Caetano Pimentel Vargas
Músico, compositor, poeta, jornalista e rosalense apaixonado.
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