Vez
ou outra aparece um jumento sem mãe. É fácil reconhecê-los. Qualquer mãe diz:
“Meu filho, vá pelo mundo fazendo amizades, tratando bem as pessoas, cuidando e
respeitando. Entre e saia com dignidade. Pense no eterno retorno”. O jumento
sem mãe procede ao contrário. Donde se conclui (noves fora inclusive) que, além de jumento, nunca teve mãe.
Apareceu
um exemplar na cidade nos últimos tempos. A Providência levou o espécime a
testar o conhecimento do pessoal do botequim, em reiteradas provocações.
Jumento
Sem Mãe (ou Jumento, para os mais próximos) deu para perguntar pelos nossos
amigos e conhecidos, após dois goles de cerveja. “Você conhece Hegel?” –
disparou o Jumento. Ora, esse menino, o Hegel, estudou com quase todos nós.
Jogava bola antes de entrar em sala. Certa vez disse: “Suei até no rêguel!” – daí o
apelido. Parece que Rêguel entrou para as forças ocultas, e escreveu um livro
sobre a fenomenologia do espírito, tratando de caboclo brigador, velhos e
giras. Era bom de bola.
Noutra
ocasião, Jumento perguntou pelo Max –depois de beber dois goles de cerveja, e
para menosprezar a moçada. Como sempre, deu n’água, causa de que todos sabiam a
resposta. Maximiliano morava na outra rua. Reclamava da falta de dinheiro – O
Capital. Sensato, avaliava o tempo todo se fazia a coisa certa: “Mais valia ter ido roubar mangas na
chácara do Seu Cláudio”.
Jumento
Sem Mãe – perguntador incansável – não se dava por vencido. Abandonara isbá de
mujique numa metrópole e viera ter numa datcha no melhor ponto da cidade.
Recebia favores, pendurava a conta no boteco, ganhava quitutes dos vizinhos. Não
retribuía. A ingratidão – teimosia de jumentos – não lhe permitia ver a melhora
no padrão e no estilo, e Jumento Sem Mãe seguia escoiceando.
Certa
vez, a coisa esteve lamacenta no trecho. Jumento Sem Mãe fazia críticas duras
ao nosso melhor quarto zagueiro do campeonato rural, em pleno boteco repleto de
respeitáveis consumidores. Todos temiam a chegada iminente do craque, e Jumento
não parava de falar mal do rapaz. Eis que na esquina surge Kant – o melhor
zagueiro do futebol de várzea da região. Jumento continuava maldizendo. “Vai
dar problema” – disse o dono do boteco.
Por
absoluta falta de espaço (essa conversa vai longe), a crítica da razão pura e a
crítica da razão prática ficarão para outra oportunidade – tão certa quanto as
malcriações do indizível Jumento Sem Mãe.
Tarcísio Borges, nascido em Bom Jesus do Itabapoana, é médico e escritor
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