Recentemente um dirigente ligado
à luta pela terra afirmou que em quase nada avançamos na reforma agrária
durante os governos Lula e Dilma. Tivesse essa crítica partido da oposição de
direita, seria fácil interpretá-la como mais um devaneio daqueles que semeiam
frases ocas e afirmações sem lastro na realidade com o mero propósito de
confundir o público menos avisado. Mas partindo justamente de um importante e
histórico movimento social, fica difícil entender qual o sentido de tal declaração.
Talvez
a intenção seja apenas cobrar do governo mais ações voltadas à democratização
do acesso à produção agropecuária (que vai muito além do simples acesso à terra
como meio de trabalho). Todavia, toda e qualquer reivindicação, por mais
legítima que seja, não pode ser incoerente em sua fundamentação e muito menos
injusta em seu diagnóstico.
Nos
mais simples manuais de economia política, uma lição básica ensinada por esta
importante ciência social é a que se refere à lei econômica do desenvolvimento
da sociedade, ou seja, a lei da correspondência das relações de produção com o
caráter das forças produtivas. As forças produtivas são o elemento mais dinâmico
e revolucionário da produção e, partindo justamente dessa base teórica,
torna-se imperioso reconhecer e valorizar algumas políticas públicas
inauguradas e desenvolvidas a partir de Lula.
As
massas trabalhadoras são a força produtiva fundamental da sociedade humana em
todas as etapas do seu desenvolvimento (e ainda muito mais no capitalismo) e,
por isso mesmo, as várias iniciativas no âmbito da capacitação dos
trabalhadores rurais, desde o maior acesso desse público ao ensino técnico e
superior, até programas mais pontuais como cursos do Pronatec Campo ou o
Procampo assumem caráter estratégico. Foram milhões de novas vagas criadas na
última década. A agregação de valor aos produtos e serviços agropecuários não é
mera retórica capitalista. Capacitar o trabalhador rural é, antes de tudo,
diminuir o tempo de trabalho socialmente gasto na sua produção.
De igual modo, o
Luz para Todos, ao atingir as mais recônditas propriedades rurais, logrou ser
um dos mais estratégicos programas de modernização da agricultura brasileira. O
exemplo dado por Lula ao dizer que a mãe agora poderia ver o rosto do filho
durante a noite sem precisar de uma lamparina, não é nada perto de o agricultor
poder conservar o leite de seu filho (e o excedente para o mercado) em um
refrigerador ou irrigar sua lavoura por meio de alguma bomba elétrica. Em
outras palavras, um meio de trabalho fundamental, componente básico dos meios
de produção, foi socializado entre milhões de agricultores brasileiros que,
ademais do acesso, pagam uma conta altamente subsidiada.
Outra ação das
mais importantes adotadas pelos governos Lula e Dilma foi a vertiginosa
expansão do crédito via o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar, o Pronaf. O crédito (historicamente restrito ao pequeno agricultor) é
fundamental para o acesso a diversos insumos e equipamentos que são a base para
o aumento da produtividade. Nesse sentido, é adequado lembrar que a grandeza do
valor de uma mercadoria é determinada pelo tempo de trabalho. Portanto, o
extraordinário aumento da produtividade entre os pequenos agricultores
brasileiros tem contribuído imensamente com o barateamento de muitos
componentes da cesta básica do brasileiro.
De acordo com a
matéria “A ‘nova classe média’ da agricultura familiar” divulgada no Valor
Econômico do dia 23 de fevereiro deste ano, entre os anos-safra 2003/2004 e
2013/14, os valores financiados subiram de R$ 3,4 bilhões para R$ 22,3 bilhões.
Mas o mais importante é o tipo de empréstimo que o pequeno agricultor passou a
demandar: Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, citado pelo Valor
Econômico, “houve uma migração de necessidades, com recuo nos pedidos de
custeio e alta nos de investimento – basicamente para compra de tratores,
sementeiras, colheitadeiras e ordenhadeiras”. Ou seja, cada vez mais o pequeno
agricultor brasileiro está se capitalizando e impulsionando suas forças
produtivas.
É justamente
esse o cenário mais promissor para uma reforma agrária nos marcos do
capitalismo. Distribuição de apenas um meio de trabalho que é a terra, por mais
histórica que seja essa bandeira, é totalmente insuficiente para promover
qualquer reforma agrária. Talvez seja a terra a demanda mais fácil em ser
atendida por qualquer governo, inclusive de direita.
Mais complexo e
importante é incrementar todas as forças produtivas no campo, desde a força de
trabalho até os demais meios de produção. E é esse conjunto de ações que
contribuem para o desenvolvimento das forças produtivas no campo e que merece
ser exaltado como o mais importante marco na reforma agrária brasileira em
todos os tempos. Isso tudo nos permite afirmar, sem lugar a dúvidas, que também
na reforma agrária, os governos Lula e Dilma avançaram enormemente.
Luciano Rezende é professor no IFF, Campus de Bom Jesus do Itabapoana (RJ)
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