quinta-feira, 2 de abril de 2015

Precisão



Tarcísio Borges


Era menos de oito horas da manhã, naquele sábado, praticamente madrugada, quando os fogos de artifício começaram a espocar. Parecia a artilharia em guerra, explodindo sem intervalos. Acordei atordoado. Lembrei-me de Fabrice Del Dongo, que ouvira o canhoneio contínuo de Waterloo, sem imaginar sequer onde estava e o risco de morte. Com a cara ainda amassada no travesseiro, quase sorria ao lembrar aqueles prazeres literários. Decidido a continuar dormindo, parei de rir e por lá deixei Fabrice.Já estava brincando com artifício e artefácil, e ia perder o sono.Eu não sabia as razões de comemoração, e, por conseguinte, se nelas pensasse, acordaria de vez. Que fogos são esses? – pensei. Se fosse da parte de algum carregamento, bastava um tiro. Talvez a carga fosse mais rica, diversificada e poderosa. Ou fosse a chegada de outra droga, um político eminente. Virei a cara para o outro lado, usando o lençol como proteção. Voltaram os foguetes! Decerto não era para avisar a chegada dos narcóticos, a não ser que toda a cidade houvesse aderido; e não se ouvia rumor de políticos, discursos, voo de helicóptero ou coisas afins. Permaneciam os foguetes. Que fogos são esses? – perguntei a mim mesmo. Desperto, levantei aborrecido, tomei o café e fui cortar o cabelo, para economizar a água de um banho. Permaneciam os foguetes. Na agência de notícias do barbeiro, logo saberia as razões da algazarra de guerra naquela manhã.

Na calçada, à minha frente iam duas senhoras, conversando sobre o foguetório. Esclareceram o caso, na precisão habitual dos habitantes daquela província.

- Que fogos são esses? – perguntou uma delas.

- É não sei o quê! – respondeu a outra.

- Não sei o quê de quê?

- Não sei o quê de não sei o que lá que tem!



Tacísio Borges, nascido em Bom Jesus do Itabapoana, é médico e escritor

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