Ana Maria Silveira |
Boanerges
acompanhava a tecnologia do tratamento do café, conseguindo assim melhor
qualidade para o seu produto. O café, após a derriça, necessita de uma secagem
bem conduzida para ser prontamente armazenado, conservando, desse modo, suas
melhores características. Lá por 1920, a secagem era feita em terreiros, a céu
aberto, totalmente dependente das condições climáticas. As chuvas representavam
um desastre caso ocorressem no período das colheitas.
Certa ocasião Boanerges comprou, em uma
exposição agropecuária, uma caldeira própria para a secagem do café.
A peça era
alemã, de alta tecnologia. Foi um longo percurso até chegar a Bom Jesus. Mas um
dia chegou!
Acompanhando
vieram três engenheiros e outros tantos ajudantes para a montagem daquela coisa
fantástica para a época.
Havia um
pequeno problema: os alemães não falavam português e vice-versa.
Boanerges
nutria um orgulho imenso pelos seus colaboradores, os empregados da sua fazenda
São Tomé e do sítio Rio Preto.
Para ele não existiam trabalhadores mais
caprichosos, interessados
nos
serviços, criativos, alegres, musicais, educados, de caráter exemplar, inteligentes
e, principalmente, amigos. Em contrapartida, tratava-os com muita consideração,
carinho, respeito e admiração.
Todos tinham suas casas, terrenos para
plantar, criar animais e o que mais fosse necessário para o sustento das famílias.
Boanerges ainda promovia todo tipo de festas, festeiro que era, e todos
participavam. Tudo isso gerava muito ressentimento em alguns outros fazendeiros,
saudosos da época escravagista, que chegavam a dizer:
-O Boanerges trata esses negos dele com muito
luxo. Isso é ruim para nós!
Boanerges
tanto falou da máquina que quando esta chegou, a curiosidade tomou conta de
todos. Seu povo acorreu ao local aonde seria instalada e ficaram em animada
vigília até a engenhoca funcionar.
Os alemães foram devidamente acomodados na
fazenda e o previsto no contrato era que a equipe deveria ficar de trinta a
quarenta e cinco dias ensinando o manejo da caldeira ao novo proprietário. Aquilo
era muito complicado. Num painel, uma quantidade enorme de mostradores - ponteiros
que se deslocavam à direita e à esquerda - tinha de estar em perfeita harmoniapara
que a coisa não explodisse.
Boanerges conseguiu
um compadre como tradutor e selecionou uns cinco empregados para aprenderem o
funcionamento da máquina, por medida de segurança, na sua ausência.
Notou nos engenheiros uma atitude de
arrogância, menosprezo e descrédito, dirigidos aos seus protegidos. Perguntou do que se tratava.
-Disseram que são analfabetos,
Boanerges, e tratando de quem se trata, não têm capacidade para aprender coisa
alguma!
Os
engenheiros insistiram: era difícil o manuseio da máquina. Em outros países,
pessoas bem preparadas não conseguiram manejar a caldeira, logo aquele bando de
negros analfabetos não tinham condições de aprender coisa alguma.
Boanerges
pediu ao compadre: -Diga a esses
estúpidos que meus companheiros são analfabetos, e muito! MAS BURROS, NÃO!
E assim foi
feito. Entre os cursos da engrenagem os visitantes conheceram a plantação de
café, de cana, pomares, animais silvestres, carneiros d´agua, comidas e bebidas
típicas, os pagodes nos finais de semana com suas músicas e danças, o jongo e o
caxambu...
Quando foram
embora, junto com as desculpas, os abrasileirados estrangeiros pediram para que
a Biluca cozinhasse mais um daquele delicioso frango ao molho pardo,
acompanhado da deliciosa aguardente que produziam na fazenda.
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