domingo, 2 de agosto de 2015

BOANERGES CONTADOR DE CASOS



Ana Maria Silveira




   Boanerges nos encantava ao narrar seus casos. Imitava, gesticulava, dava muita vida aos personagens.
   Contava que lá por volta de 1920, em Calheiros- Bom Jesus do Itabapoana, quandofazia uma visita costumeira a um compadre, percebeu o filho deste um pouco aflito.
-Chico, já não resolveu aquele seu problema com a noiva?
-Já, padrinho, mas agora é outro. Estou gostando da Lucinda!
... E Boanerges contava:
-Chico era meio devagar para tomar decisões. Depois de meses de tentativas, ensaios e desistências, acabou conseguindo romper um noivado com a Rosaura.

   Naquele tempo não se namorava sem o consentimento dos pais da moça e Chico ficou outros meses imaginando como seria o novo evento:
-Eu visto meu terno de casimira, o chapéu, passo um pouco de colônia para me perfumar, pego a bengala e vou até a casa da minha amada.
 Bato na porta: toc,toc, toc. Dona Elvira abre. Muito gentilmente me cumprimenta:-Boa tarde, Sr. Francisco!
Gentilmente também, respondo:-Boa tarde, Dona Elvira!
Ela dirá: -Entra Sr. Francisco...
Eu entro e tiro o chapéu.
-Senta-se Sr. Francisco...
Eu me sento e deixo a bengala de lado.  D. Elvira vai perceber as minhas intenções, vai dar um sorrisinho malicioso e vai dizer para mim:
-Um momentinho só, Sr. Francisco, vou comunicar ao Agnaldo que você veio nos visitar.  Fique à vontade...Com licença...
E Dona Elvira sai...
Enquanto ela vai chamar o Sr. Agnaldo eu rapidamente apanho um jornal ou um almanaque que deverá ter pela sala, coloco os óculos que o Zequinha me emprestou ( será que vou acertar colocar os óculos?) e finjo ler qualquer coisa até chegar o Sr. Agnaldo acompanhado pela D. Elvira. Leio por uns segundos, levanto a cabeça, dou um sorriso simpático para ambos, tiro os óculos, coloco no bolso, me levanto e o cumprimento:
-Dr. Agnaldo, como vai o Sr.?
E ele para mim:
-A que lhe devo o prazer desta visita?
Aí então olho discretamente para a D. Elvira, ela entende, diz que está atrasada com os bordados, pede licença e sai.
Sr. Agnaldo e eu ficamos a sós e eu lhe falo das minhas intenções de namoro, noivado e casamento.
O clima ficará tenso
Sr. Agnaldo ficará sério, mas seus olhos vão mostrar muita satisfação. Fico sério também e falo das minhas possibilidades, das minhas posses e das minhas pretensões.
Tenho certeza de que ele vai me dizer:
-Sr. Francisco, o Sr.sabe muito bem que a Lucinda é o nosso tesouro. É um anjo de doçura, uma semeadora da paz. Estou certo de que o Sr. cuidará muito bem dela!
Aí falo com ele que tenho intenções de consumar logo o matrimônio, pois não sou desses de ficar embromando, não!
Nós nos levantamos e ele berra a D. Elvira. Quando ela vem e vê que estamos nos abraçando, volta e chama a Lucinda.
Aí as duas aparecem... A Lucinda tímida, linda e a D. Elvira toda risonha, porque já estará percebendo tudo...
Sabendo da conversa, D. Elvira enxuga os olhos, emocionada e Lucinda me olha, encabulada...
Já deixo marcada a data do noivado. Ah! A do casamento também.
Tudo dito, peço licença para me retirar. Cumprimento o Sr. Agnaldo, beijo a mão de D. Elvira.
Pego a bengala, o chapéu e volto para casa.

  E Chico ficou meses ensaiando essa história ( Eu visto o meu terno de casimira, o chapéu, pego a bengala e vou até à casa da minha Lucinda. Bato na porta: toc, toc, toc e D. Elvira abre... 
Toc, toc, toc... e D. Elvira abre...
D. Elvira...)

   Até que resolveu ir lá. Afinal ele já estava com a história bem retida na cabeça, os óculos o Zequinha acabara lhe dando de presente e a paixão pela Lucinda, sufocando. Escolheu uma data bem especial: 13 de junho, dia de Santo Antônio Casamenteiro.

   Como mil vezes havia planejado, vestiu-se com o terno de casimira, perfumou-se com a colônia, colocou o chapéu, apanhou a bengala e lá se foi.
Chegando defronte à casa da amada, parou. Acertou o chapéu, passou a bengala para a mão esquerda, empinou-se e... Toc, toc, toc...
-Agora D. Elvira abre e eu...(pensava Chico, enquanto alguém abria a porta).

   Só que ao invés da D. Elvira, quem apareceu foi o Sr. Agnaldo.

   Que susto Chico levou!
-Boa tarde Dr. Elviro, disse, sem perceber a troca.

   Quando foi levantar a mão para cumprimentar o Sr. Agnaldo, lembrou-se de tirar o chapéu. Bruscamente bateu na aba e este saiu voando. 

   Lançou-se para pegar o objeto voador e tropeçou na bengala. Quase caiu.

   Derrotado,a face vermelha e sem conseguir dizer palavras, deu meia volta, volver!
 
   Já distante, escutou alguém dizer: -Que sujeito maluco!(mas não achou que fosse para ele.)

   Voltou para casa com o firme propósito de programar outra visita, só que desta vez quem vai abrir a porta é Sr. Agnaldo...


  Junho de 2015



Ana Maria Silveira é filha do ex-governador Badger Silveira

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