Desembargador Antonio Izaias da Costa Abreu
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No dia 9 de janeiro do corrente ano, ao abrir o jornal
"O Globo" como costumeiramente faço, na página que noticia os
obituários, missas, descoberta da matzeivá e outros atos concernentes à morte e
homenagens purificadoras da alma, fui surpreendido com a infausta nota do
passamento de um amigo, sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro -
IHGB, José Murilo de Carvalho.
O fato entristeceu-me
sobremodo e logo pensei em apurar sua veracidade. Não dispunha, no momento do
telefone do amigo e, ainda que o tivesse, naquela circunstância de pouco
adiantaria. Acreditando estar o IHGB em recesso, os seguranças e outros
servidores da instituição não teriam, certamente, condições de esclarecer o
desditoso e inevitável acontecimento, cuja força nos domina deixando na sua
voragem um rastro de saudade do ente querido que se partiu.
Decidi, então, sem mais
indagar, ir ao cemitério São Francisco Xavier, no Caju, para prestar ao amigo e
companheiro do IHGB a minha sentida homenagem.
Assim, dentro de um terno
escuro e gravata própria para ocasiões lutuosas, às 13 horas, com o sol a pino
e temperatura a 402 e sensação térmica de 502, desloquei-me para o referido
"Campo Santo" e, em lá chegando, fui informado de que o corpo estava
sendo velado na capela G, no andar superior.
Após galgar cansativa
escada, com corrimão bem baixo, que nem os jovens fazem num só fôlego, depois
de um longo suspiro devido ao cansaço, procurei refazer-me.
Sucede que, ao dar entrada
no recinto, surpreendeu-me ali a ausência de sócios do IHGB bem assim como de
membros da Academia Brasileira de Letras ABL, instituições a que José Murilo de
Carvalho faz parte. Dirigi-me diretamente a uma senhora e um rapaz, que vim a
saber ser esposa e filho do falecido, os quais se mostravam sentidos juntos à
essa e os cumprimentei apresentando-lhes as condolências. Nesse momento, de
soslaio, espichei o olhar para o morto, e constatei ser uma pessoa totalmente
calva, rosto fino, nariz ligeiramente aduncado e a boca emoldurada por um vasto
e branco bigode à moda mexicana.
Duvidoso, pensei comigo
mesmo: Este não parece ser o meu amigo. Será que ele adoeceu e, em um curto
período, teve sua fisionomia transformada? Tudo era possível. Contudo, o que
continuava a me deixar aturdido era, confesso, o vasto bigode branco do morto.
Com andar cauteloso, assentei-me, a seguir, em uma das cadeiras posicionadas à
frente do catafalco.
Ao notar uma jovem que havia
também cumprimentado os familiares do defunto, fiz sinalização para que ela se
assentasse ao meu lado. Atendido, perguntei-lhe se o falecido era realmente
José Murilo de Carvalho e, mais uma vez, tive a confirmação. Mas o grande e
branco bigode continuava sendo, na verdade, o gerador da incerteza, porquanto
José Murilo de Carvalho, o grande amigo, não se ornava à fisionomia como se
achava o morto. Ademais, o colega do instituto, embora também calvo, tem a face
arredondada com linhas leves e delicadas, mas próprias da masculinidade,
ressalte-se.
Enfim, fiquei a meditar como
sair daquela situação emblemática. Nesse instante, dá entrada no recinto, para
realizar as exéquias, uma senhora paramentada com um jaleco branco tendo em uma
das mãos o hissope e, na outra, diversos folhetos sinalizadores do
procedimento, conforme me foi dado a observar ao receber um deles. Era a
ministra da eucaristia que ali se fazia presente a fim de dar curso à sua
missão. Ao ver-me com traje escuro de mim se aproximou indagando: "O
senhor é o padre?" respondi-lhe que sentir-me-ia honrado se o fosse. Não
sendo eu o sacerdote, pode a interpelante dar, portanto, início ao seu mister.
Orou em voz alta e todos
repetiam as santas orações e, de vez em quando, ela espargia água benta sobre o
defunto. A cerimônia teve seu término cerca de vinte minutos após com a oração
de São Francisco de Assis e fazendo os presentes, em seguida, a perseguinação.
Havendo-me comportado como
conhecido do morto, os presentes, creio, devem haver indagado entre eles quem
seria o senhor de terno escuro que prestou ao falecido a última homenagem?
Possivelmente um representante do governo ou membro do Itamaraty.
Ao deixar o recinto, a minha
dúvida foi dissipada quando um senhor de idade provecta levantou-se da cadeira
e deu-me um forte abraço dizendo-me: Doutor, eu e o José Murillo de Carvalho
fomos, no final da década de 1960, os designados para instalar a embaixada do
Brasil em Moscou, na União Soviética, e lá trabalhamos juntos vários anos. Foi,
realmente, quando certifiquei-me que o meu amigo era outro José Murilo de
Carvalho.
No dia seguinte, liguei para
o IHGB e relatei o acontecido à diligente e estimada funcionária Tupiara e ela,
cheia de risos, disse-me: Desembargador, eu também levei um susto ao me deparar
com a notícia mas, ao analisá-la, pude logo constatar não ser o anunciado o
nosso considerado sócio, apesar da homonímia. Porquanto, o nosso Murilo não é
grafado com dois "II", e a sua idade é bem inferior a noventa anos
como daquele a quem o senhor prestou a última e sentida homenagem. Disse-me,
finalmente, Tupiara: Desembargador, não fique constrangido, pois na manhã de
ontem o telefone tocou ininterruptamente, pois inúmeros sócios desejavam ser
informados quando e onde ocorreria o sepultamento. Realmente, sim, prestei a um
digno honrado embaixador justa e merecida homenagem mas, outrossim, fiquei
feliz em saber que o nosso José Murilo de Carvalho encontra-se sadio e em plena
atividade.
De fato, não raramente, isso acontece.
Date: Mon, 30 Jan 2017 11:32:58 -0200
Subject: jose murillo de carvalho
Caro desembargador,
Só hoje consegui com o Arno
seu endereço para responder a carta que me enviou. Lamento o transtorno que meu
xará lhe deu, mas, sobretudo, agradeço sua disposição de enfrentar o calor do
Rio para comparecer ao velório que achava ser deste seu confrade. Desde já
dispenso-o de ir ao S. João Batista quando chegar a vez do José Murilo com um I
só... Um cordial abraço, jm.
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