sexta-feira, 17 de maio de 2019

Os Barbados da Fazenda São Tomé



Ana Maria Silveira

   Dona Biluca, depois de se deparar com uma cena deprimente, pediu para que não se matassem mais macacos barbados (bugios) na fazenda.
   A ideia sensibilizou o povo da região e ninguém mais caçava os simpáticos animais.
  Xavier, à beira da morte, sentiu uma vontade imensa de comer a iguaria. Pediu ao filho um macaco ensopado para que pudesse realizar seu último desejo.
  Lino, seu bom filho, dirigiu-se às fazendas mais próximas para pedir o animal, mas foi enxotado pelos “compadres”: “Ei! Sai prá lá! Aqui ninguém mata barbado mais não!”.
   Lino foi à procura do amigo Boanerges, que, pela situação crítica do compadre, permitiu que caçassem um dos animais protegidos pela Biluca.
   Poucos dias depois, apreciada a sopa de barbado, Xavier morreu.
   Badger, ainda garoto, acompanhou o pai Boanerges ao velório. Contava que Lino tinha quase dois metros de altura, possuía porte atlético, determinado. Colocou-se à entrada do evento quando viu um dos compadres sonegadores de macacos chegando.

   Compenetrado, formal, colocou a mão direita estendida no peito do fulano, impedindo-o de acessar o local e bradou: “ALTO LÁ FARISEU! NEGASTES BARBADO AO MEU PAI!”.
   Tudo estremeceu!  A cena, que vista com o distanciamento no tempo foi tida como engraçada, para os presentes, foi assustadora! O vozeirão retumbou por todo o lugar das exéquias, já sinistro pelas circunstâncias de um funeral.
  Pelo lado bom, essa história comove pela atitude de preservação de uma espécie de macacos da Mata Atlântica.
  Vó Biluca, assim como seus contemporâneos do início do século 20, em Bom Jesus do Itabapoana, além dos animais domésticos que criavam, alimentavam-se da fauna silvestre. Não tinham as informações de que com o tempo as espécies, predadas, se extinguiriam, como temos hoje. Era o macaco bugio, junto com tatus, pacas e cotias os mais caçados.
  Certo dia, deparou-se com uma cena horripilante: na área da cozinha havia um enorme alguidar de madeira com vários macacos bugios despelados, colocados em vinhadalhos.
  Momentaneamente ela confundiu com um embolado de crianças mortas e soltou um grito de pavor.
  Tudo esclarecido, Biluca se convenceu e mais tarde, aos outros moradores, de que abater esses seres tão semelhantes aos humanos seria um pecado imperdoável.
  Iniciou uma campanha local em defesa dos macacos bugios que se estendeu pelas regiões vizinhas, ultrapassando os limites do município.
  Por esse motivo, Lino teve tanta dificuldade para conseguir um bugio para seu pai.

02/01/2019
 Ana Maria Silveira é filha do ex-governador Badger Silveira

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