Ana Maria Silveira |
Durante muitos anos Badger foi cobrado pelos seus correligionários do antigo PTB e, principalmente, pelos socialistas, comunistas, brizolistas e centro–direitistas, pelo fato de ter comparecido à posse do Marechal Castelo Branco. Pareceu inusitado, inaceitável, uma vez que Badger e o Presidente João Goulart compartilhavam os mesmos ideais trabalhistas.
No famoso comício do dia 13 de maio de 1964, na Central do Brasil, Badger chegou depois do discurso do Deputado Federal Leonel Brizola.
Sem informações do quanto Brizola havia radicalizado na sua fala, Badger fez um discurso considerado moderado, conforme suas convicções legalistas.
Retornando a Niterói e, por insistência dos amigos, ouviu uma gravação do discurso brizolista. O que ouviu o deixou apreensivo: um discurso incendiário, fora da realidade, irresponsável, comprometendo todo o trabalho do partido em relação às chamadas “reformas de base” e outros de igual importância, e o pior: entregando todos os argumentos para a oposição conservadora fortalecer o golpe militar que viria e, agora, com apoio incontestável da Igreja Católica e de alguns setores da Sociedade Civil.
Desse dia em diante, governar o Estado do Rio, ficou mais difícil.
Seguiram-se dias muito confusos e perigosos. Badger, com a deposição do Presidente João Goulart na madrugada de primeiro de abril, não se sentiu mais confortável ao exercer seu mandato. Nessa mesma madrugada, teve o convite do governador mineiro Magalhães Pinto para que aderisse ao golpe. Não aceitou, dizendo inclusive que acabara de lançar um manifesto pelo rádio em apoio a João Goulart.
Sem rumo, com as piores perspectivas, foi conduzindo seu governo com a mesma dignidade com que o recebeu.
Jamais renunciaria!
De repente, no Palácio do Ingá, começaram a aparecer grotescos policiais-militares, majores, comandantes disso e daquilo e múltiplos generais exigindo que Badger os nomeasse para isso ou aquilo. Badger negou-se veementemente, mesmo sob ameaças e tentativas frustradas de sequestros e golpes brancos.
Nesse momento teve a percepção dos tipos humanos desqualificados que queriam apropriar-se do governo pela força e não por procedimentos democráticos institucionais.
Uma enorme preocupação com o destino e a segurança do povo fluminense tornou-se, para ele, uma obsessão.
Nos primeiros dias após o golpe, uma junta militar tomou o lugar do presidente deposto.
Badger, entrou em contato com militares ditos revolucionários e mostrou sua enorme preocupação com o futuro do Estado do Rio.
Com a ajuda do Governador Amaral Peixoto, do Almirante Heleno de Barros Nunes -na época secretário de Minas e Energia de Badger- e outros militares amigos, pensaram em uma solução para uma possível vacância no governo do Estado, diante da nova realidade política.
Comunicado, o próprio Marechal Castelo Branco disse a Badger que esse mandato (da junta militar) seria breve, e que logo fariam novas eleições para que o país voltasse à normalidade (democrática), o que não aconteceu.
Depois do AI-1, Badger continuou a ser importunado mais intensamente e agora, toda a sua família sofria também as mais covardes ameaças.
O Marechal Castelo Branco o convidou pessoalmente para sua posse, dizendo :“Governador, preciso do senhor aqui, em 15 de Abril. Conto com a sua colaboração futura para a transição ao poder civil!”.
Badger compareceu, juntamente com seu secretário de Energia, o Almirante Heleno de Barros Nunes e a anuência do ex- Governador Amaral Peixoto para negociar a entrada de um interventor não violento, o oposto do que estava acontecendo nos outros Estados brasileiros.
Ali, naquele dia, o Governador Badger Teixeira da Silveira conseguiu uma garantia pessoal do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco de que nenhum militar truculento assumiria o comando do Estado do Rio de Janeiro.
Por questão de suprema segurança essa informação foi mantida em segredo até para os politicamente mais próximos, correligionários que ficaram incrédulos com essa atitude inexplicável de Badger, a quem bem conheciam e que sabiam não se deslumbraria em permanecer no governo.
As mudanças aconteciam rapidamente e o quadro se esboçava cada vez mais distante das prometidas “eleições democráticas”.
Desconhecendo esse acordo, os policiais-militares, majores, generais e comandantes disso ou daquilo, intensificaram as agressões e ameaças, ainda exigindo sua renúncia ou cobrando nomeações para diversos cargos.
Badger se negou. Enquanto estivesse no governo, não cederia a ameaças e por princípio, não renunciaria.
Sua permanência no cargo ficou extremamente bizarra e perigosa.
Por precaução, distribuiu a família confidencialmente pelas casas de amigos sinceros, cientes dos riscos que corriam, mas que não se importaram ao lhe estenderem as mãos.
Corria tanto risco de morte que lhe foram oferecidas umas seis Embaixadas, para possível exílio.
Não aceitou. Era inocente. Não temia qualquer tipo de acusação.
Enfim, os deputados, inclusive os aliados, votaram, perplexos, o seu impeachment.
Lembro-me do deputado Bocayuva Cunha narrando este fato: - Os deputados votaram comovidos, alguns chorando. No final todos se levantaram e em protesto, cantaram o Hino Nacional.
Juntos com a morte de Roberto e a deposição de Badger, foram-se os sonhos de toda uma geração de jovens políticos que dedicavam suas vidas para tornar o Brasil um país mais justo, com oportunidades iguais para todos...
Décadas mais tarde, quando desapareceram quaisquer possibilidades de vingança pessoal pelos truculentos, Badger procurou os amigos que lhe cobravam sua ida à posse do Marechal e trouxe à luz a verdade sobre o acontecido.
Ele nos dizia que não se importava por ter sido tão criticado pelo fato de ter ido nessa posse, do Presidente Castelo Branco. E que o gratificava o sentimento do dever cumprido pelo fato do Estado do Rio de Janeiro ter sido o Estado, em comparação com todos os outros, o que apresentou o menor número de perseguições políticas, torturas, desaparecimentos e mortes no período mais cruento da Ditadura.
Ana Maria Silveira é filha do ex-governador Badger Silveira
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