sábado, 23 de setembro de 2023

Três poemas clássicos de Padre Mello: "LEÃO XIII", de 1887 , "MORIBUNDA", de 1906, e "MORTA", de 1906


LEÃO XIII

Composta em março de 1887, pelo então seminarista Antônio Francisco de Mello, no Seminário de Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, Arquipélago dos Açores 


O verbo incendiado ao sopro onipotente

da Pomba que descera em nuvem refulgente,

qual mística centelha iluminando o espaço,

convida o mundo inteiro ao fraternal abraço.

Chove a graça divina e apaga a sede intensa,

alteia-se a virtude onde germina a crença,

e surge por encanto a luz do sol fecundo,

da bruma envelhecida o criminoso mundo.

O Cristo levantara o célico edifício,

que na verdade assenta, e aponta o precipício,

e os séculos ha visto em rápida passagem

morrer a um e um na túrbida voragem,

e vê cair ao pé o raio da impiedade

gerado na explosão de hórrida tempestade.

E tu, no entanto, ó príncipe do abismo,

levantando o pendão do vesgo modernismo,

prisioneiro da Cruz, lá vais na senda inglória

cantando sobre a Igreja efêmera vitória...



Um dia quando aprouve ao árbitro superno

doar ao grande Pio o diadema eterno,

o espírito do mal, nos homens encarnado,

em tom de urna ovação, com importuno brado,

clamava ás multidões: « Morreste, Pio Nono!

e tu ó Pedro, aí tens a Barca em abandono! »

Louco ! bem poderá, minando o régio assento,

quebrar o diadema e o cetro num momento,

os povos' conglobar de um e outro hemisfério

e desde o norte ao sul formar um só império,

e quando coroar a portentosa obra

verá que um soberano impávido desdobra,

rindo dos vãos troféus, o lábaro da Cruz,

que o soberano é Pedro e o reino de Jesus.

Lançai a vista além na esplendorosa Roma;

eis que uma nova cena aos olhos vos assoma.

Ainda chora o Tibre, envolto na saudade,

o seu famoso Atlante, o Pai, da cristandade,

ainda tem banhada a fronte entristecida,

órfã do seu Pastor, a grei estremecida,

e já novo Leão por arbítrio divino,

toma da santa Igreja as chaves e o destino.



É Pecci, o grande gênio, o portentoso vulto,

Pecci que às musas dera aprimorado culto

e, escondendo o esplendor no véu da humildade,

no sólio pontifício assenta a majestade;

Pecci que à viva luz das pedras e do ouro

coroas misturou de verdejante louro.

Estranha luz inunda a Catedral divina

e o sábio e o nobre e o grande e o potentado inclina

a fronte reverente à majestosa fronte,

de insólita ciência esplêndido horizonte.

Vê com assombro o mundo o gênio infinito

Como farol assente em rocha de granito,

E pasma quando vê pospor o assento régio

Afonso prepotente e o Estadista egrégio,

para a seus pés ouvir o decisivo aresto

que lhes detém do embate o ímpeto funesto.

Mirífico sucesso! em letras de ouro a Historia

já prestes o escreveu para eterna memória.

Vêde-o grande na causa e grande no efeito:,

—indômito, Mavorte ao verbo está sujeito.

Não ribomba no vale o tiro da metralha,

deixando ao que sucumbe o sangue por mortalha.



Não há dores no lar nem lágrimas nos olhos,

não traga o frio chão cadáveres aos molhos.

As artes, o comércio, a provida ciência

seguem no mesmo curso e mesma refulgência.

Reina o direito e brilha a cândida justiça;

o trabalho modera o esto da cobiça.

O ódio não se acende e nem o amor se apaga,

e da amarga tristeza a onda não alaga

da risonha alegria os páramos florentes...

Salve, benigno Sol! em teus raios fulgentes

aos homens dás a paz, à terra a luz do dia

convertendo o conflito em plácida harmonia.

Senhor universal e Mestre verdadeiro,

Oráculo da fé, ouve-te o globo inteiro.

Tu falas, e as nações unem-se em meigo abraço,

gigantes mas em paz bem como os sóis no espaço;

falas, e a grande voz que os ímprobos fulmina

traça direito rumo e as sirtes descortina

falas, e o doce verbo é luz que se derrama,

as almas ilumina e os corações inflama;

falas, e na ferida o bálsamo goteja,

falas, e Deus falou à militante Igreja.



Quem vê aquele vulto altivo e majestoso

regendo com império um povo numeroso,

qual antigo Moisés nos cálidos desertos

conduzindo Israel aos sítios encobertos;

quem vê aquela fronte e aquele olhar profundo

contempla em novo Ancião novo Moisés no mundo.

Mas não temais, fiéis, nem vós, homens sem crença,

de tanta realeza e divinal presença;

na doce irradiação de paternal sorriso

difunde com amor a luz do Paraíso.

A fala, o gesto, o olhar, tão doce e prazenteiro 

não vos dizem Leão mas tímido Cordeiro.

Correi que vos convida, ao amoroso amplexo

vós que do seu rebanho interrompeis o nexo.

Entrai, ele é Piloto, em sua Barca enorme

onde, entre os escarcéus, Jesus sereno dorme.

Não vos assuste a rija e assídua tempestade

que só fundeareis além na Eternidade.

Entrai, e a voz unindo aos cânticos da Igreja

que este dia feliz com júbilo festeja,

dizei : — Salve, Leão ! Salve, Pastor superno

nos séculos porvir será teu nome eterno!


MORIBUNDA


 Publicada no jornal "Itabapoana" em 08/08/1906


Quem a conhece? Quem dirá que outrora

Foi um primor de graça e de candura?

Cheia de vida, cheia de frescura,

e tão desfeita e esmorecida agora!...


Parece aquela flor que à luz da aurora

E ao sorrir da manhã serena e pura

A fronte inclina para a terra dura,

Murcha, definha, abrocha-se e descora.


Perto lhe vem os últimos momentos;

Vai desprender-se a divinal essência

Do débil organismo em ritmos lentos.


Olhos que a vistes rindo na inocência

Que lágrimas tereis, em vãos lamentos,

Para chorar tão longa e triste ausência?!...


31/07/1906



MORTA 


 Publicada no jornal "Itabapoana" em 15/08/1906

 


E ausentou-se!...já corre o pranto triste

Sobre o gélido invólucro sem vida

Ei-lo como uma pétala caída

de pobre flor que solitária existe.


E tu, filha do céu, que ao céu subiste

Sempre o verás na fúnebre jazida

Como relíquia sacra ao pó volvida,

Venerada por nós, a quem fugiste.


Bela chamou-te quem te viu as graças

Boa quem viu segredos de tua alma,

e santa o esposo que no céu abraças.


Menos punge esta dor que não acalma

Menos sentimos amargo as taças

Que na terra e no céu tens linda palma.


04/08/1906

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