Reginaldo Teixeira Chalhoub |
Comecei este trabalhinho falando sério e pretendo concluí-lo da mesma forma, porque vou fazê-lo reverenciando a figura respeitabilíssima do Capitão Teixeira.
Ele era meu avô, pai da Amália, minha mãe. Não o conheci. Infelizmente o Capitão faleceu nove anos antes da minha chegada a este mundo.
Sua figura austera e simpática, bem como a lembrança do seu caráter bondoso, de acentuados sentimentos filantrópicos – presentes na prosa ou na lembrança de pessoas mais velhas e nos raros textos sobre ele ainda existentes- sempre me fizeram senti-lo digno de um respeito natural, de uma grande simpatia e de uma sensação inexplicável de afinidade.
Essa empatia é que me inspira um profundo desejo de encerrar este modesto trabalho falando dele, do homem, do meu avô, do capitão teixeira. No entanto, as fontes de informação de que disponho, infelizmente, são muito poucas, circunstância que conduz este despretensioso escriba a servir-se, de modo abusivo, das palavras, brilhantes e confiáveis do saudoso conterrâneo Eber Teixeira Figueiredo, inteligente e caprichosamente lançadas nas preciosas páginas de sua inestimável obra “ Memória Espírita Bonjesuense”.
Não serão apenas algumas palavras: serão parágrafos inteiros, copiados com a maior desfaçatez, furto que o querido Eber, do plano espiritual onde se encontra, certamente há de me perdoar, e, quem sabe, até de me ajudar com uma “mãozinha”, muito bem-vinda.
João Manoel Teixeira, mineiro de Tabuleiro do Pomba, Minas Gerais nasceu em 28 de junho de 1878, filho de Francisco de Paula Teixeira e de Maria Rosa de Siqueira. Morou muitos anos no distrito de Barra do Calçado, município do Calçado, (hoje São José do Calçado/ES), no lugar denominado São Sebastião do Limoeiro, onde foi negociante e se casou, tudo segundo a certidão de nascimento de um dos seus filhos, feito pelo oficial do Registro Civil, Custódio da Rosa Pereira, em 3 de junho de 1907.
Foi naquela localidade e por essa época que João Manoel Teixeira recebeu o apelido de “Capitão”, com o qual se tornaria conhecido, não havendo qualquer explicação para o epíteto.
Com economias que amealhou, montou um pequeno negócio de secos e molhados, em cujo local também fornecia alguns remédios para os moradores locais. Casou-se com Regina Carvalho, nascendo desse enlace seus dois únicos filhos: Amália, que se tornaria mais tarde professora de renome; e Napoleão, que tempos depois viria a ser um médico psiquiatra, professor universitário e escritor internacionalmente conhecido.
Foi Napoleão quem disse que “seu Capitão acabaria vindo para Bom Jesus, a fim de que os filhos tivessem outras possibilidades”. Ora, possuidor de uma inteligência sem par de uma força espiritual notável, o Capitão logo se instalou na nova cidade com uma botica e uma vendinha. Pouco depois constrói um sobrado na rua Buarque de Nazareth, na época, a rua principal de comércio da comunidade.
Em sua “Pharmácia Teixeira”, João Manoel recebia um número impressionante de pessoas, que muitas vezes deixavam de procurar os dois únicos médicos existentes na cidade para com ele se consultarem. E naquele prédio novo ele acabaria por realizar as primeiras reuniões espiritas. O atendimento que fazia custou-lhe muitas críticas e comentários desairosos, inclusive dos próprios médicos locais, que o acusavam de charlatanismo, manifestações que jamais o abalaram.
Seus filhos não o acompanharam na crença, apesar de guardarem alguma simpatia pelo Espiritismo. Amália chegou a frequentar o Centro Espírita criado por seu pai, mas não logrou participar do movimento: engajou-se por algum tempo na campanha integralista, deixando-a pouco depois para se tornar católica ao firmar noivado com um jovem comerciante libanês: Elias Melhim Chalhoub.
Napoleão foi para o Rio de Janeiro, onde se formou em Medicina, continuando, no entanto, a cultivar vínculos com a terra natal, sobretudo através de centenas de artigos que publicou nos jornais cidade, nos quais jamais se manifestou como espírita, não obstante sempre se referir à Doutrina com muito respeito.
Naquela época, inexistindo um hospital na cidade, os doentes graves, de males contagiosos, eram alocados num local afastado, denominado “isolamento”, próximo à zona de meretrício, onde eram periodicamente visitados pelo Capitão, que levava aos desvalidos, além do remédio gratuito, uma prece e uma palavra de reconforto.
Exercia ele essa missão com zelo extremo, embora isso lhe custasse sérias restrições da própria esposa, que, de mais idade, era constantemente acometida de crises de ciúme, o que lhe causava muitos embaraços na atividade.
Sua fama de homem bondoso e amigo se espalhou rapidamente e dele se contam muitas histórias, como a de um pobre louco, atado pelos pés e pelas mãos, que, no lombo de um burro, ia sendo levado para a cadeia, de onde seria mais tarde encaminhado para um sanatório da Capital.
Ao se deparar com aquele quadro horrivel, o Capitão manda que soltem o coitado do demente. Todos se espantam, mas obedecem à firme voz de comando. O Capitão se aproxima do enfermo, toca sua cabeça, faz uma prece e consegue parar com sua agitação, logrando também que o pobre homem o acompanhasse até sua venda, onde lhe dá um café e ordena que ele volte para casa, para junto de sua família.
Outra história conhecida é a de um rapaz que perdera totalmente a voz. Procurando o Capitão, este lhe pede que pronuncie uma única palavra: Deus. Logo após conseguir pronunciá-la, o jovem recupera imediatamente a sua faculdade de falar.
E o passado do “seu” Capitão? Como conheceu o Espiritismo? Segundo informações, após casar-se com Regina Carvalho, no Calçado, João Manoel continuou com seus hábitos de solteiro. Embora mancasse de uma perna, devido a uma queda de cavalo, quando fraturou o fêmur, ele gostava muitos de bailes; era admirado pelas moças por sua beleza física, pela sua educação, pela lhaneza no trato com as pessoas e, também, por ser um exímio dançarino. Isso despertava ciúmes em sua mulher, com quem tinha sérios atritos no lar.
Certo dia, depois de uma dessas brigas do casal, ele sai de casa disposto a não mais voltar. Chega à estação ferroviária de Bom Jesus do Norte com a intenção de entrar no trem para Ponte do Itabapoana e , ali embarcar no outro que viria de Cachoeiro do Itapemirim. De repente, recebe uma espécie de empurrão e escuta uma voz a lhe dizer: “ Aonde você pensa que vai? Volte para casa!” Virou-se e não viu ninguém. Continuou no mesmo lugar e de novo ouve a voz: “ Volte! Volte!”
Pois foi a partir desse episódio que ele passou a estudar o espiritismo, o descobrindo então era portador de faculdade mediúnica.
No dia 28 de outubro de 1928, domingo, ao sair da segunda sessão do Cine São Geraldo, onde costumava ir com a família, comentou com sua filha e com sua sobrinha, que o acompanhavam na ocasião, o mal que sentira durante a projeção.
Isso o fez sentar-se por instantes num banco da praça Governador Portela, para em seguida, chegar com dificuldade em sua residência, na rua Gonçalves da Silva, conhecida como a Rua dos Mineiros.
No dia seguinte, sua irmã a madrinha Rosa, conhecida como Sá Rosa, estranhou a ausência do irmão, que todos os dias, invariavelmente, ia pela manhã a sua casa moer o pó de café. Dirige-se, então à casa dele e o encontra prostado. Seu irmão então lhe diz que deseja conversar com o Columbino ( o Dr. Columbino), seu sobrinho, com quem estava de relações cortadas por desentendimentos de ordem política e por causa do tratamento que o Capitão dispensava aos doentes.
Os enfermos procuravam de preferência o farmacêutico e isso causava inveja e rancor em seu sobrinho, médico novo, que o chamava de charlatão. O tio que o havia trazido para iniciar a carreira em Bom Jesus, hospedando-o em sua casa.
A magnanimidade daquela alma estava acima de qualquer gesto de ingratidão e ele mantém um último diálogo com o sobrinho.
No momento de sua morte, conta Napoleão Teixeira em uma de suas crônicas, Capitão teria pronunciado uma palavra terminada em “ão”, que um afoito carola entende ser “ conversão” e assim se apressa em chamar o Padre Mello, vigário da paróquia. Capitão, com lucidez, corrige o apressadinho, afirmando que não falara em conversão e, sim, em “aflição”.
O momento fatal chegara. Cerca das dez horas da manhã, após reconciliar-se com o sobrinho, expira João Manoel, o Capitão Teixeira, pioneiro do Espiritismo em Bom Jesus do Itabapoana. Seu corpo foi conduzido ao cemitério local, no dia seguinte, às cinco horas da tarde, com um dos maiores acompanhamentos que a então Vila de Bom Jesus já vira.
Isto é tudo o que conseguir reunir, com a preciosa ajuda do Irmão Éber, autor praticamente de todo o texto, para mostrar, com orgulho, quem foi admirável homem, de espírito e coração transbordantes de amor, benevolência e compaixão.
Que, infelizmente, nunca pude chamar de “VÔ”.
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