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Isabel Menezes |
Assim como existem músicas atemporais, há também livros, móveis e objetos que resistem ao tempo. Navegando pelo Google, deparei-me com uma matéria do jornal O Globo sobre a volta das cadeiras de palhinha à moda. A reportagem dizia:
"A palhinha confere leveza, ventilação, transparência. Dá aconchego à casa. A combinação da palha com a madeira é atemporal, eterna." Gostei do assunto, pesquisei e encontrei também fotos de uma cadeirinha que tinha cheiro da minha infância.
Foi impossível não viajar no tempo.
Uma das lembranças mais vivas que guardo do meu pai é a imagem dele chegando da roça na Arataca, já cansado, mas com um feixe de taboa cortado no brejo ao lado do seminário. Não resistia quando via as taboas no ponto. Madeira, ele já tinha de sobra em casa. Volta e meia trazia umas lascas ou toras da matinha.
Nas longas tardes de verão, ele se refugiava entre ferramentas simples: enxó, serrote, plaina, martelo, formão e alguns pregos tortos guardados num caixote. Media tudo no olho, serrava pra cá, cortava pra lá, alisava com a plaina. Aos poucos, surgiam as madeirinhas, quadradas ou arredondadas. A gente se perguntava: pra que será isso? Mas sabíamos: toda tarde ele inventava alguma coisa.
Naquele dia, amarrou os feixes de taboa e os pendurou para secar. Os pedaços de madeira repousavam num canto da tulha. Volta e meia ele remexia naqueles guardados e nas taboas penduradas. Não demorou muito tempo e dali nasceu uma cadeirinha, simples, de madeira, com o assento tecido de palha de taboa. Era a nossa alegria! Uma cadeirinha para cada filho.
Rústicas, sim, mas carregadas de afeto e do suor que escorria do rosto dele, desde o instante em que empunhava o machado e golpeava as toras, emitindo aquele som ritmado, de boca fechada: hum, hum, hum...
Mais tarde, construiu também uma cadeirinha para cada neta, as primeiras. Depois, o tempo foi pesando nos ombros dele, mais que as toras de madeira ou os feixes de taboa.
Hoje, não resta sequer uma fotografia daquelas cadeirinhas. Mas ficaram as memórias: de um pai trabalhador, severo, presente. Um provedor que, mesmo sem ferramentas sofisticadas, construía com as mãos e com o coração. E ali, na simplicidade das suas criações, deixava um pedaço de si em cada gesto, presente na vida dos filhos e netos com a madeira, a palha, o afeto.
Isabel Menezes é Professora e Historiadora
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