Por Gino Martins Borges Bastos
Meu primeiro contato com um livro foi na biblioteca da minha casa — um espaço de memórias e descobertas, onde repousavam os livros do meu avô Olívio Bastos, cuidadosamente preservados e enriquecidos, com o tempo, por meu pai, Luciano Augusto Bastos.
Lembro-me com nitidez: eu ainda criança, sendo conduzido por meu pai até a biblioteca. Com ternura e firmeza, ele me aconselhava a ler Monteiro Lobato. Mas ele não apenas aconselhava — colocava em minhas mãos toda a coleção: Reinações de Narizinho, O Minotauro, Os Doze Trabalhos de Hércules, Caçadas de Pedrinho, O Pica-pau Amarelo, O Saci, Memórias de Emília...
Em outras ocasiões, ele me sentava à mesa, diante de um grande atlas geográfico, e me entregava um caderno e canetas coloridas. A geografia, as cores vivas e o doce perfume das tintas tornaram-se lembranças especiais da minha infância.
Recordo-me também do primeiro livro que entristeceu meu coração infantil: O Soldadinho de Chumbo, de Hans Christian Andersen. Interrompi para sempre a leitura quando o pequeno soldado, valente e com uma só perna, foi lançado à fogueira. Aquela cena me feriu de verdade.
Já adolescente, meu pai me apresentou uma obra de Martin Luther King. Leu para mim, em voz clara e comovida, uma frase do líder negro:
“Sempre haverá um momento na vida em que você terá as condições de cravar um punhal no coração do seu maior inimigo. Neste momento, você não deve fazê-lo.”
Fiquei em silêncio, mas aquela lição permaneceu.
Certa vez, ao passear pelas prateleiras da biblioteca, deparei-me com Poeira de Sonhos, livro de uma conterrânea bonjesuense, Yvonne Miguel Diniz. Em sua poesia Casa Abandonada, ela retorna à casa de sua infância e, diante do abandono, confessa:
"Com o coração ferido... chorei meu velho sonho ali perdido."
Senti o eco da minha própria memória.
Mais adiante, encontrei uma oração de Rabindranath Tagore, que se tornou uma das minhas preces favoritas:
“Senhor, se é verdade que vos amo porque temo o vosso inferno, lança-me nele!
Se é verdade que vos amo porque desejo o vosso céu, priva-me dele!
Mas se é verdade que vos amo apenas porque vos adoro, então concede-me o teu Amor!”
Já adulto, voltei-me à antiga coleção de meu avô e mergulhei na obra do Padre Antônio Vieira — o Imperador da Língua Portuguesa. Nele, encontrei a frase que me fez parar e refletir por longos minutos:
“Que coisa é a conversão da alma, senão um homem dentro de si e ver-se a si mesmo?”
Cresci, amadureci, e naturalmente passei a ampliar o acervo da biblioteca com livros que, por alguma razão, me chamavam. Hoje, ali repousam também obras de arte de meu tio-avô, Segisnando Martins, campista que costumava nos visitar em Bom Jesus.
Há, ainda, fotos emolduradas de ascendentes portugueses e açorianos: de meus avós paternos, Olívio Bastos e Vivaldina Martins Bastos; de meus avós maternos, Francisco Moraes Borges e Odete Tavares Borges. E também de meus bisavós, Segisnando Pinto Martins e Mariana Duarte Martins, além de outros rostos familiares que me olham em silêncio, como guardiões do tempo.
Na biblioteca, há uma cadeira. A mesma em que meu avô Olívio Bastos costumava sentar. Depois, foi ocupada por meu pai. Hoje, sou eu quem se senta nela.
E continuo a ler — como fazia na infância — envolto pela história, com o coração no presente e os olhos voltados para o futuro.
Emocionante!l! É como se a gente estivesse mergulhando na história e vendo como os livros e as memórias moldaram a sua vida.
ResponderExcluirUma jornada de conexão com as raízes, onde a biblioteca se torna um santuário de memórias e sabedoria.
Parabéns, Gino!👏👏👏👏❤️