terça-feira, 4 de novembro de 2025

Raul Travassos e o Postal da Fé

   O coração do povo bonjesuense


 A Flor da Praça e o Padre das Ilhas

Raul Travassos, guardião da memória e dos matizes do tempo, enviou uma relíquia: um postal de 1924, quando a torre da Matriz do Senhor Bom Jesus já se erguia, altiva, como quem aprende a tocar o céu. Na foto, a praça, já rebaixada, se estende em suave declive diante do templo ainda em formação. A igreja ostenta apenas o corpo principal e a torre grande, sem sacristia, sem capela. Ao fundo, talvez a casa da família Tarouquela de Almeida; à esquerda, um fragmento do antigo Hotel, que décadas depois cederia lugar ao cinema. Dois quiosques, como sentinelas delicadas, se postam diante da Matriz. E a praça, já com jardins e caminhos, anuncia o início de sua vocação para acolher o encontro e a fé.

Raul nos conta, e com ele o passado fala: “Lembrança da Festa do Espírito Santo, a nossa Festa de Agosto.” A imagem parece respirar o fervor de uma cidade em construção, de sua pedra e de sua alma.

Mas há um detalhe no postal que pede pausa e atenção: ao final, lê-se uma súplica singela, “Pede-se em troca um donativo para as obras da mesma Egreja.” São palavras do padre-poeta Antônio Francisco de Mello, que, além dos livretos de versos e orações, oferecia aos fiéis a oportunidade de partilhar um sonho: erguer o templo que seria o coração do povo bonjesuense.

Essas linhas humildes revelam mais do que uma necessidade material, falam de um tempo em que a fé se media em esforço e esperança. Padre Mello, açoriano de alma e engenho, trouxe de suas ilhas o amor pela arte e pela forma, e soube esculpir na pedra um gesto de eternidade. Seu sacrifício floresceu. Hoje, a fachada da Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus é mais que uma construção, é o rosto do próprio município, símbolo de beleza e devoção.

Poucos sabem, porém, que essa obra tem autor nomeado e merecedor: o padre que veio das “ilhas da bruma” e que, com paciência de artista e fé de peregrino, deu à cidade seu emblema maior.

Por isso, o postal de 1924 que Raul Travassos nos oferece é mais do que um documento histórico, é um espelho da gratidão que devemos cultivar. Que se registre, enfim, a justiça: a flor que embeleza nossa praça nasceu das mãos e do sonho de Padre Antônio Francisco de Mello, o homem que plantou em nossas pedras o perfume das ilhas e a poesia da fé.


Fachada da Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus é obra do açoriano Padre Antônio Francisco de Mello 






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