segunda-feira, 28 de setembro de 2015

ADUBO ESPECIAL





 Norberto Seródio Boechat
                                     


Na década de 50, em Pirapetinga ainda se plantava café. Numa dessas plantações, na serra da Pirraça, assim denominada por sua desafiadora inclinação, uma turma enfrentava o sol do meio dia. Nenhum vento. Árvores paradas. Suor. Vivaldes de Antonio Germano, que participava do grupo, me contou este episódio. Os demais, Tigela, Eduardo (“Espírito Ruim”), Totonho, Zé Andreza e Zé Barbosa, todos famosospelo natural e cruel impulso paraatazanar  o próximo. Lento corria o dia, e quente como se na linha do equador. Trabalho bem organizado, verdadeira linha de produção, igual a uma fábrica. Decidiam por linha imaginária, “a mirada”, uma reta de baixo acima e a seguiam. Três ou quatro na frente, subindo e abrindo as covas. Zé Barbosa, por ser cuidadoso e detalhista, era o responsável pela mistura do adubo com terra e acomodar a mudinha. Acompanhava atrás.

Duas da tarde. Sol a pino. Almoço pesado, enriquecido com as sobras do dia anterior, domingo. Fato muito conhecido, o desagradável problema digestivo de Eduardo: crônica prisão de ventre, piorada por grande acúmulo de gases. Às vezes, passava cinco dias sem ir ao banheiro. Quando conseguia, o estrondo espantava as galinhas no terreiro. Dizia-se que nesses dias gritava aliviado: “Aleluia!”

 E na tarde quente, de maneira súbita ele é acometido por brutal dor de barriga, tão forte que o arrepiou. Pálido e sudoreico correu para a moita próxima. Mal teve tempo de descer a calça.  O odor exalado matou pássaros e insetos num raio de cem metros, e a explosão resultante chegou a parar por instantes o trabalho dos companheiros.Zé Barbosa foi o que mais se divertiu com a tragédia. O “Espírito Ruim”, que não era flor que se cheirasse,  decidiu, então, se vingar e em ato de puro sadismo recolheu com uma folha de inhame o produto da caganeira e o despejou numa das covas.

Zé Barbosa concentrado mantinha o ritmo,plantando.Não deu outra: na cova escolhida por Eduardo a mão sentiu algo mole e quente. No primeiro momento, não atinou. Olhou,apatetado, a mão. Não acreditou no que viu. Não era possível, parecia m., e fedorenta... Cheirou para confirmar.  Não teve mais dúvida. Estremeceu.Um relâmpago de ódio percorreu o corpo. A ira o tomou. “Eduuardoo!” O grito ressoou por toda a Pirraça e fez eco nos grotões vizinhos. “Eduardo, f.d.p., vou te matar”. Mas o produtor de adubo já estava longe, sabendo que não ficaria impune. Teve que deixar de trabalhar por vários dias, pois Zé o tocaiava com um punhal, adquirido especialmente para a vingança.

Necessários muitos conselhos e pedidos para que desistisse do intento. Afinal, fora apenas uma cova...

Passaram-se os dias. Vez por outra, Zé era surpreendido cheirando discretamente a mão direita impregnada, consequência do nefasto buraco. Conta-se que enquanto dormia a deixava mergulhada em água numa bacia ao lado da cama. Esperava, assim, diluir o perfume entranhado na pele. Eduardo nunca mais pôde trabalhar naquela turma.É claro que a muda daquela cova não foi plantada.Ali vicejou, não se sabe como, um imponente pé de mexerica. No entanto, era voz corrente que seus frutos jamais puderam ser apreciados, pois, ao invés do cheiro cítrico característico, exalava a essência do especial adubo.



Norberto Seródio Boechat é médico, escritor e bonjesuense/pirapetinguense

Nenhum comentário:

Postar um comentário