Norberto Seródio Boechat |
Na década de 50, em Pirapetinga
ainda se plantava café. Numa dessas plantações, na serra da Pirraça, assim denominada
por sua desafiadora inclinação, uma turma enfrentava o sol do meio dia. Nenhum
vento. Árvores paradas. Suor. Vivaldes de Antonio Germano, que participava do
grupo, me contou este episódio. Os demais, Tigela, Eduardo (“Espírito Ruim”),
Totonho, Zé Andreza e Zé Barbosa, todos famosospelo natural e cruel impulso
paraatazanar o próximo. Lento corria o
dia, e quente como se na linha do equador. Trabalho bem organizado, verdadeira
linha de produção, igual a uma fábrica. Decidiam por linha imaginária, “a
mirada”, uma reta de baixo acima e a seguiam. Três ou quatro na frente, subindo
e abrindo as covas. Zé Barbosa, por ser cuidadoso e detalhista, era o
responsável pela mistura do adubo com terra e acomodar a mudinha. Acompanhava
atrás.
Duas da tarde. Sol a pino. Almoço
pesado, enriquecido com as sobras do dia anterior, domingo. Fato muito conhecido,
o desagradável problema digestivo de Eduardo: crônica prisão de ventre, piorada
por grande acúmulo de gases. Às vezes, passava cinco dias sem ir ao banheiro.
Quando conseguia, o estrondo espantava as galinhas no terreiro. Dizia-se que
nesses dias gritava aliviado: “Aleluia!”
E na tarde quente, de maneira súbita ele é
acometido por brutal dor de barriga, tão forte que o arrepiou. Pálido e
sudoreico correu para a moita próxima. Mal teve tempo de descer a calça. O odor exalado matou pássaros e insetos num
raio de cem metros, e a explosão resultante chegou a parar por instantes o
trabalho dos companheiros.Zé Barbosa foi o que mais se divertiu com a tragédia.
O “Espírito Ruim”, que não era flor que se
cheirasse, decidiu, então, se vingar e
em ato de puro sadismo recolheu com uma folha de inhame o produto da caganeira
e o despejou numa das covas.
Zé Barbosa concentrado mantinha o
ritmo,plantando.Não deu outra: na cova escolhida por Eduardo a mão sentiu algo
mole e quente. No primeiro momento, não atinou. Olhou,apatetado, a mão. Não
acreditou no que viu. Não era possível, parecia m., e fedorenta... Cheirou para
confirmar. Não teve mais dúvida.
Estremeceu.Um relâmpago de ódio percorreu o corpo. A ira o tomou. “Eduuardoo!”
O grito ressoou por toda a Pirraça e fez eco nos grotões vizinhos. “Eduardo,
f.d.p., vou te matar”. Mas o produtor de adubo já estava longe, sabendo que não
ficaria impune. Teve que deixar de trabalhar por vários dias, pois Zé o
tocaiava com um punhal, adquirido especialmente para a vingança.
Necessários muitos conselhos e
pedidos para que desistisse do intento. Afinal, fora apenas uma cova...
Passaram-se os dias. Vez por
outra, Zé era surpreendido cheirando discretamente a mão direita impregnada,
consequência do nefasto buraco. Conta-se que enquanto dormia a
deixava mergulhada em água numa bacia ao lado da cama. Esperava, assim, diluir o
perfume entranhado na pele. Eduardo nunca mais pôde trabalhar naquela turma.É
claro que a muda daquela cova não foi plantada.Ali vicejou, não se sabe como,
um imponente pé de mexerica. No entanto, era voz corrente que seus frutos
jamais puderam ser apreciados, pois, ao invés do cheiro cítrico característico,
exalava a essência do especial adubo.
Norberto Seródio Boechat é médico, escritor e bonjesuense/pirapetinguense
Norberto Seródio Boechat é médico, escritor e bonjesuense/pirapetinguense
Nenhum comentário:
Postar um comentário