LEÃO XIII
Composta em março de 1887, pelo então seminarista Antônio Francisco de Mello, no Seminário de Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, Arquipélago dos Açores
O verbo incendiado ao sopro onipotente
da Pomba que descera em nuvem refulgente,
qual mística centelha iluminando o espaço,
convida o mundo inteiro ao fraternal abraço.
Chove a graça divina e apaga a sede intensa,
alteia-se a virtude onde germina a crença,
e surge por encanto a luz do sol fecundo,
da bruma envelhecida o criminoso mundo.
O Cristo levantara o célico edifício,
que na verdade assenta, e aponta o precipício,
e os séculos ha visto em rápida passagem
morrer a um e um na túrbida voragem,
e vê cair ao pé o raio da impiedade
gerado na explosão de hórrida tempestade.
E tu, no entanto, ó príncipe do abismo,
levantando o pendão do vesgo modernismo,
prisioneiro da Cruz, lá vais na senda inglória
cantando sobre a Igreja efêmera vitória...
Um dia quando aprouve ao árbitro superno
doar ao grande Pio o diadema eterno,
o espírito do mal, nos homens encarnado,
em tom de urna ovação, com importuno brado,
clamava ás multidões: « Morreste, Pio Nono!
e tu ó Pedro, aí tens a Barca em abandono! »
Louco ! bem poderá, minando o régio assento,
quebrar o diadema e o cetro num momento,
os povos' conglobar de um e outro hemisfério
e desde o norte ao sul formar um só império,
e quando coroar a portentosa obra
verá que um soberano impávido desdobra,
rindo dos vãos troféus, o lábaro da Cruz,
que o soberano é Pedro e o reino de Jesus.
Lançai a vista além na esplendorosa Roma;
eis que uma nova cena aos olhos vos assoma.
Ainda chora o Tibre, envolto na saudade,
o seu famoso Atlante, o Pai, da cristandade,
ainda tem banhada a fronte entristecida,
órfã do seu Pastor, a grei estremecida,
e já novo Leão por arbítrio divino,
toma da santa Igreja as chaves e o destino.
É Pecci, o grande gênio, o portentoso vulto,
Pecci que às musas dera aprimorado culto
e, escondendo o esplendor no véu da humildade,
no sólio pontifício assenta a majestade;
Pecci que à viva luz das pedras e do ouro
coroas misturou de verdejante louro.
Estranha luz inunda a Catedral divina
e o sábio e o nobre e o grande e o potentado inclina
a fronte reverente à majestosa fronte,
de insólita ciência esplêndido horizonte.
Vê com assombro o mundo o gênio infinito
Como farol assente em rocha de granito,
E pasma quando vê pospor o assento régio
Afonso prepotente e o Estadista egrégio,
para a seus pés ouvir o decisivo aresto
que lhes detém do embate o ímpeto funesto.
Mirífico sucesso! em letras de ouro a Historia
já prestes o escreveu para eterna memória.
Vêde-o grande na causa e grande no efeito:,
—indômito, Mavorte ao verbo está sujeito.
Não ribomba no vale o tiro da metralha,
deixando ao que sucumbe o sangue por mortalha.
Não há dores no lar nem lágrimas nos olhos,
não traga o frio chão cadáveres aos molhos.
As artes, o comércio, a provida ciência
seguem no mesmo curso e mesma refulgência.
Reina o direito e brilha a cândida justiça;
o trabalho modera o esto da cobiça.
O ódio não se acende e nem o amor se apaga,
e da amarga tristeza a onda não alaga
da risonha alegria os páramos florentes...
Salve, benigno Sol! em teus raios fulgentes
aos homens dás a paz, à terra a luz do dia
convertendo o conflito em plácida harmonia.
Senhor universal e Mestre verdadeiro,
Oráculo da fé, ouve-te o globo inteiro.
Tu falas, e as nações unem-se em meigo abraço,
gigantes mas em paz bem como os sóis no espaço;
falas, e a grande voz que os ímprobos fulmina
traça direito rumo e as sirtes descortina
falas, e o doce verbo é luz que se derrama,
as almas ilumina e os corações inflama;
falas, e na ferida o bálsamo goteja,
falas, e Deus falou à militante Igreja.
Quem vê aquele vulto altivo e majestoso
regendo com império um povo numeroso,
qual antigo Moisés nos cálidos desertos
conduzindo Israel aos sítios encobertos;
quem vê aquela fronte e aquele olhar profundo
contempla em novo Ancião novo Moisés no mundo.
Mas não temais, fiéis, nem vós, homens sem crença,
de tanta realeza e divinal presença;
na doce irradiação de paternal sorriso
difunde com amor a luz do Paraíso.
A fala, o gesto, o olhar, tão doce e prazenteiro
não vos dizem Leão mas tímido Cordeiro.
Correi que vos convida, ao amoroso amplexo
vós que do seu rebanho interrompeis o nexo.
Entrai, ele é Piloto, em sua Barca enorme
onde, entre os escarcéus, Jesus sereno dorme.
Não vos assuste a rija e assídua tempestade
que só fundeareis além na Eternidade.
Entrai, e a voz unindo aos cânticos da Igreja
que este dia feliz com júbilo festeja,
dizei : — Salve, Leão ! Salve, Pastor superno
nos séculos porvir será teu nome eterno!
MORIBUNDA
Publicada no jornal "Itabapoana" em 08/08/1906
Quem a conhece? Quem dirá que outrora
Foi um primor de graça e de candura?
Cheia de vida, cheia de frescura,
e tão desfeita e esmorecida agora!...
Parece aquela flor que à luz da aurora
E ao sorrir da manhã serena e pura
A fronte inclina para a terra dura,
Murcha, definha, abrocha-se e descora.
Perto lhe vem os últimos momentos;
Vai desprender-se a divinal essência
Do débil organismo em ritmos lentos.
Olhos que a vistes rindo na inocência
Que lágrimas tereis, em vãos lamentos,
Para chorar tão longa e triste ausência?!...
31/07/1906
MORTA
Publicada no jornal "Itabapoana" em 15/08/1906
E ausentou-se!...já corre o pranto triste
Sobre o gélido invólucro sem vida
Ei-lo como uma pétala caída
de pobre flor que solitária existe.
E tu, filha do céu, que ao céu subiste
Sempre o verás na fúnebre jazida
Como relíquia sacra ao pó volvida,
Venerada por nós, a quem fugiste.
Bela chamou-te quem te viu as graças
Boa quem viu segredos de tua alma,
e santa o esposo que no céu abraças.
Menos punge esta dor que não acalma
Menos sentimos amargo as taças
Que na terra e no céu tens linda palma.
04/08/1906