sábado, 2 de agosto de 2025

Onde a trova ganha voz

 



Na tarde serena do dia 2 de agosto, a praça Amaral Peixoto, no coração de Bom Jesus do Itabapoana, parecia respirar versos. Ali, entre os bancos e o murmúrio das árvores, uma criança de 10 anos — Ana Alice da Silva Sátulo — devolveu à cidade o que ela mesma lhe deu: poesia.

Acompanhada de sua mãe Kelly Cristina, dos amigos Giselle e Moacyr, e de Gino, Ana Alice levou na voz a doçura da infância e na alma o peso leve da arte. Diante do Espaço Cultural dos Trovadores — agora eternizado por lei como o lugar onde "a trova ganha voz" — ela declamou, com brilho nos olhos, os versos de Lúcia Spadarotto, trovadora bonjesuense que plantou flores rimadas no solo fértil da memória.

Cada trova, como um brinquedo antigo retirado da caixa do tempo, fez os presentes voltarem à infância:

Gira, gira, meu pião,

mas gira devagarinho...”

E o pião girou. Girou no ar, girou no coração da praça, girou nos olhos marejados dos que ali estavam. Não houve grandes palcos, holofotes nem ensaios grandiosos — houve apenas verdade. E isso bastou.

Ana Alice não homenageou sozinha: foi a infância inteira que se fez presente. A calçada virou brincadeira, a árvore virou esconderijo, e a trova, ah, a trova virou canção.

 “Brincar de pique-bandeira,

lá na casa dos meus pais...”

A III FLICbonjê (Feira Literária e Cultural de Bom Jesus do Itabapoana) registrou em suas páginas esse momento delicado e eterno. A partir desse dia, cada passo dado na praça Amaral Peixoto encontrará uma trova sussurrada pelo vento.

Doravante, as rimas ali ecoarão. E Ana Alice, com sua voz de passarinho, será para sempre lembrada como aquela que fez o tempo voltar a ser menino.







Rostos Antigos em Palavras Novas



Saulo Soares 


Saulo Monteiro caminha devagar por Bom Jesus do Itabapoana, mas seu passo é firme — guiado por vozes que não se calam com o tempo. Não veio apenas como escritor, poeta, memorialista. Veio também como neto, como filho, como herdeiro de histórias que sussurram entre as pedras da rua e os arquivos empoeirados do jornal O Norte Fluminense.

Ele chega para a III FLICbonjê (Feira Literária e Cultural de Bom Jesus do Itabapoana) com ares de retorno e missão. Traz nas mãos não apenas o talento da escrita, mas a busca constante por suas raízes. Seu rio é outro, sim. Mas é em Bom Jesus que ele volta a molhar os pés na memória.

Nascido em Piraí, traz em si o sulco de dois nomes que o antecedem: Cyro e Lao — pai e avô, palavras que se agigantam na lembrança. Foi Lao quem ajudou a erguer os pilares do jornal O Norte Fluminense, ao lado de Esio Bastos, ainda em 1946. E foi Lao também quem ensinou, em silêncio, que a grandeza mora nos gestos pequenos — como "aposentar" um cavalo maltratado, ou embalar, com o nome, mais de dezesseis crianças em forma de canção.

Saulo escreve porque não suporta deixar a emoção calada. Em sua poesia, Diadema, em homenagem a Elcio Xavier, o Príncipe dos Poetas, cada verso dobra o tempo e sopra vida nova nos ecos antigos:

"Cem anos são nada diante da tua Poesia,
Que perpassa a vida, nau a singrar..."

Ele é desses autores que escrevem com o coração sangrando e a alma ajoelhada diante da história. Sua entrevista com o professor Héliton Pimentel, amigo de seu pai, foi mais do que jornalismo — foi reencontro. Uma conversa com o passado. Um abraço que ultrapassou a ausência.

E quando escreveu "Sr. Lao", fez da crônica um altar. Transformou uma velha lata de Cream Cracker num relicário de ternura. Quem lê, entende: Saulo não apenas lembra — ele vive o que recorda.

A literatura o chama, é verdade. Mas é a memória que o move. E é assim que ele se senta entre os autores da FLICbonjê: como quem pertence a essa terra mesmo sem nela ter nascido, porque é de afeto que se faz uma pátria.

Saulo não veio só. Ele carrega consigo vozes antigas, cartas guardadas, nomes sagrados. E faz da escrita um gesto de gratidão. Como quem sussurra ao avô: “Obrigado por me ensinar a cantar.”

Bom Jesus o recebe não apenas como convidado. Mas como neto da terra.

Entre Palavras e Afetos

 

Altair José de Oliveira e Catiane D’Áura


Chegaram como quem já faz parte da paisagem: Altair José de Oliveira e Catiane D’Áura, rostos conhecidos dos que vivem os encantos das letras em Bom Jesus do Itabapoana. Vieram, mais uma vez, com os bolsos cheios de palavras e o coração aberto — feito página em branco pronta para ser preenchida de afeto.

É a III FLICbonjê (Feira Literária e Cultural de Bom Jesus do Itabapoana) que os acolhe, mas, verdade seja dita, é a cidade inteira que os recebe como velhos amigos. Altair, vindo de Porciúncula, carrega nos olhos a leveza dos poemas que escreve. Catiane, lá de Coração de Jesus — nome que já anuncia a ternura —, vem com aquele jeito de quem costura memórias com fios de saudade.

Eles não apenas participam dos eventos — eles os tornam mais vivos. Estão ali, entre o público e o palco, entre os livros e os olhares curiosos, como pontes feitas de poesia. Unem a simplicidade do ser com a grandeza da escrita. É raro ver alguém assim: gente que caminha devagar para não perder nenhum detalhe da vida. Gente que escreve o que sente e sente o que escreve.

Altair, com seu "Poemeiro Encantado", colhe sentimentos como quem colhe flores no campo. Seus livros são estações do ano transformadas em verso. Catiane, com sua "Saudadice", transforma ausência em presença, memória em mulher. “Elas sou eu”, ela diz, e a frase ecoa como um espelho na alma de quem lê.

Na FLICbonjê, eles não são apenas autores. São presenças. São abraços literários. São a lembrança de que, mesmo em tempos tão apressados, ainda há quem pare para escutar o que o silêncio tem a dizer.

E quando partirem, deixarão no ar um perfume de papel e sentimento. Porque a literatura que eles fazem não se guarda só nos livros — ela mora também nas pessoas que tiveram a sorte de cruzar seus caminhos.







Coração em Palavras





Na manhã inaugural da III FLICbonjê (Feira Literária e Cultural de Bom Jesus do Itabapoana), entre livros, sorrisos e o burburinho encantado de leitores e artistas, o tempo pareceu suspenso por um instante.

Sob os olhares atentos dos que acompanharam sua entrevista, a poetisa, trovadora, romancista, artista plástica e compositora bonjesuense Maria Terezinha Borges Coutinho, radicada em Vila Velha (ES), vestiu a alma de emoção.

Nas mãos, o livro "Pintando Palavras", recém-nascido em letras e afetos.

Nos olhos, o brilho de quem transforma a vida em arte, e a arte — em comunhão.

E quando sua voz, firme e doce, começou a declamar o poema “Coração”, algo se abriu ali, entre as páginas e o peito.

As palavras — bordadas com delicadeza e dor — iam traçando um caminho que tocava a todos: o amor que se cuida, o tempo que acolhe, a perda que marca.

E, ao final, não foram só versos que transbordaram.

Foram lágrimas.

Lágrimas sinceras de quem vive o que escreve.

De quem não apenas pinta palavras, mas as sente, as chora, as eterniza.

Naquele momento, Maria Terezinha não era apenas autora de um livro.

Era ponte entre corações.

Era memória viva de uma cidade que pulsa arte, e que guarda, com orgulho, o suave toc-toc de suas criações.

E assim, Bom Jesus do Itabapoana testemunhou o que há de mais bonito na literatura: a verdade que emociona.



Coração

Maria Terezinha Borges Coutinho

Me entregaste o teu coração 

e eu, com todo jeitinho,

e com todo o cuidado,

e com todo o carinho,

guardei-o e o conservei 

com dedicação e amor

bem juntinho do meu!

E o tempo foi passando 

e eu bem feliz me sentia,

com o suave toc-toc

do teu meigo coração 

a bater pertinho do meu!

Certo dia, sem razão,

numa estranha confusão,

levaste teu coração:

Lutei, lutei e lutei,

para que ninguém roubasse 

o que muito bem guardei!

Hoje com muita tristeza 

sinto uma enorme saudade 

do teu meigo toc-toc 

juntinho do meu coração.


sexta-feira, 1 de agosto de 2025

"Quando a Literatura me levou a Bom Jesus"


 
Valeria Fernandes, autora mineira de 11 livros infantis 

Foi pela literatura que os caminhos se cruzaram.

Vinda de Juiz de Fora, em Minas Gerais, a escritora Valeria Fernandes, autora de 11 livros infantis, chegou a Bom Jesus do Itabapoana pela primeira vez, convidada para participar da III FLICbonjê (Feira Literária e Cultural de Bom Jesus do Itabapoana)

Logo ao chegar, o encantamento foi imediato.

Entre ruas acolhedoras, ela se surpreendeu com a limpeza, a organização e o carinho visível em cada detalhe da cidade.

Mas foi o calor humano que a conquistou de vez.

A cultura bonjesuense — rica, viva, pulsante — se revelou em conversas, apresentações, livros, olhares e sotaques.

Gente que valoriza suas raízes e acolhe com generosidade.

Na feira, encontrou leitores, ouviu histórias, compartilhou palavras.

E entendeu que a literatura, ali, não é só escrita — é vivida.

Bom Jesus do Itabapoana, com sua alma cultural, ganhou um lugar especial em seu coração.

E a primeira visita, certamente, não será a última.




A fé refletida nas águas

 

A fé refletida nas águas: a majestade da Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus, espelhando céu e devoção no silêncio do chafariz. Foto de Rogério Loureiro Xavier, 1º/08/2025, III FLICbonjê (Feira Literária e Cultural de Bom Jesus do Itabapoana)


"Com seu reflexo nas águas, 

num anoitecer tão belo, 

dá adeus à dor e às mágoas 

a igreja de Padre Mello".

(Lúcia Spadarotto)



quinta-feira, 31 de julho de 2025

Obra do Divino: a Açorianidade que floresce em Bom Jesus

 


Há cartas que não chegam apenas com palavras. Chegam como bênçãos.

Hoje, sobre as mãos da presidente da ABIJAL, Beatriz de Fátima Magalhães Dias, repousou uma correspondência que não era só papel — era memória, era legado, era destino.

Da longínqua e azul Região Autônoma dos Açores veio o reconhecimento: a ABIJAL, nossa jovem e pujante Academia Bonjesuense Infantojuvenil de Artes e Letras, foi acolhida como guardiã viva da Açorianidade em nosso solo. E como um sopro do Divino Espírito Santo, a resposta trouxe também sustento: mil euros que darão asas às próximas celebrações culturais em nosso município.

Tudo isso no limiar de uma festa que carrega mais que símbolos — carrega fé.
Amanhã, o Divino começará a descer entre nós. Como desceu, um dia, entre os antigos moradores das lavouras e colinas de Bom Jesus, nas figuras de Antônio Teixeira de Siqueira e Francisco José Borges, que em meados de 1860 começaram a gestar entre nós a tradição da Coroa e do Cetro do Divino Espírito Santo.

E essa pomba que canta no Hino do Espírito Santo, conhecida em nossa terra como “Alva Pomba”, voou até nós pelas mãos de um açoriano de espírito e de ação: Padre Antônio Francisco de Mello. Chegado no dia 18 de junho de 1899, ele não só ofertou cânticos, mas colunas, vitrais, cultura. A própria fachada da Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus é sua prece em pedra.

É certo: a história é feita de nomes. Mas é a alma do povo que os sustenta.
E é por isso que no dia 2 de agosto, entre livros, palavras e sons da nossa III Feira Literária e Cultural, a ABIJAL abrirá o palco à estreia da Tuna Luso-Bonjesuense — música que vem do mar, da ilha, da terra, do coração. Cantará o que somos: parte Açores, parte Brasil, completamente Bom Jesus.

E como se tudo se alinhasse num tempo sagrado, no dia 13 de agosto, quando celebramos o Dia Municipal do Imigrante Açoriano, será inaugurado um monumento na Praça Governador Portela. Pedra sobre pedra, honra sobre história. Uma homenagem silenciosa, porém eterna às famílias de acordescendentes que trouxeram nos ombros e no sangue a herança açoriana, e a plantaram com carinho no Vale do Itabapoana.

Sim, é obra do Divino.
Pois o que se constrói com fé, com arte e com memória, não se apaga.
Floresce. Canta. E permanece.