O NORTE FLUMINENSE, Bom Jesus do Itabapoana (RJ)
Jornal fundado por Ésio Martins Bastos em 25 de dezembro de 1946 e dirigido por Luciano Augusto Bastos no período 2003-2011. E-mail: onortefluminense@hotmail.com
sábado, 2 de agosto de 2025
Onde a trova ganha voz
Rostos Antigos em Palavras Novas
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Saulo Soares |
Saulo Monteiro caminha devagar por Bom Jesus do Itabapoana, mas seu passo é firme — guiado por vozes que não se calam com o tempo. Não veio apenas como escritor, poeta, memorialista. Veio também como neto, como filho, como herdeiro de histórias que sussurram entre as pedras da rua e os arquivos empoeirados do jornal O Norte Fluminense.
Ele chega para a III FLICbonjê (Feira Literária e Cultural de Bom Jesus do Itabapoana) com ares de retorno e missão. Traz nas mãos não apenas o talento da escrita, mas a busca constante por suas raízes. Seu rio é outro, sim. Mas é em Bom Jesus que ele volta a molhar os pés na memória.
Nascido em Piraí, traz em si o sulco de dois nomes que o antecedem: Cyro e Lao — pai e avô, palavras que se agigantam na lembrança. Foi Lao quem ajudou a erguer os pilares do jornal O Norte Fluminense, ao lado de Esio Bastos, ainda em 1946. E foi Lao também quem ensinou, em silêncio, que a grandeza mora nos gestos pequenos — como "aposentar" um cavalo maltratado, ou embalar, com o nome, mais de dezesseis crianças em forma de canção.
Saulo escreve porque não suporta deixar a emoção calada. Em sua poesia, Diadema, em homenagem a Elcio Xavier, o Príncipe dos Poetas, cada verso dobra o tempo e sopra vida nova nos ecos antigos:
"Cem anos são nada diante da tua Poesia,
Que perpassa a vida, nau a singrar..."
Ele é desses autores que escrevem com o coração sangrando e a alma ajoelhada diante da história. Sua entrevista com o professor Héliton Pimentel, amigo de seu pai, foi mais do que jornalismo — foi reencontro. Uma conversa com o passado. Um abraço que ultrapassou a ausência.
E quando escreveu "Sr. Lao", fez da crônica um altar. Transformou uma velha lata de Cream Cracker num relicário de ternura. Quem lê, entende: Saulo não apenas lembra — ele vive o que recorda.
A literatura o chama, é verdade. Mas é a memória que o move. E é assim que ele se senta entre os autores da FLICbonjê: como quem pertence a essa terra mesmo sem nela ter nascido, porque é de afeto que se faz uma pátria.
Saulo não veio só. Ele carrega consigo vozes antigas, cartas guardadas, nomes sagrados. E faz da escrita um gesto de gratidão. Como quem sussurra ao avô: “Obrigado por me ensinar a cantar.”
Bom Jesus o recebe não apenas como convidado. Mas como neto da terra.
Entre Palavras e Afetos
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Altair José de Oliveira e Catiane D’Áura |
Coração em Palavras
Na manhã inaugural da III FLICbonjê (Feira Literária e Cultural de Bom Jesus do Itabapoana), entre livros, sorrisos e o burburinho encantado de leitores e artistas, o tempo pareceu suspenso por um instante.
Sob os olhares atentos dos que acompanharam sua entrevista, a poetisa, trovadora, romancista, artista plástica e compositora bonjesuense Maria Terezinha Borges Coutinho, radicada em Vila Velha (ES), vestiu a alma de emoção.
Nas mãos, o livro "Pintando Palavras", recém-nascido em letras e afetos.
Nos olhos, o brilho de quem transforma a vida em arte, e a arte — em comunhão.
E quando sua voz, firme e doce, começou a declamar o poema “Coração”, algo se abriu ali, entre as páginas e o peito.
As palavras — bordadas com delicadeza e dor — iam traçando um caminho que tocava a todos: o amor que se cuida, o tempo que acolhe, a perda que marca.
E, ao final, não foram só versos que transbordaram.
Foram lágrimas.
Lágrimas sinceras de quem vive o que escreve.
De quem não apenas pinta palavras, mas as sente, as chora, as eterniza.
Naquele momento, Maria Terezinha não era apenas autora de um livro.
Era ponte entre corações.
Era memória viva de uma cidade que pulsa arte, e que guarda, com orgulho, o suave toc-toc de suas criações.
E assim, Bom Jesus do Itabapoana testemunhou o que há de mais bonito na literatura: a verdade que emociona.
Coração
Maria Terezinha Borges Coutinho
Me entregaste o teu coração
e eu, com todo jeitinho,
e com todo o cuidado,
e com todo o carinho,
guardei-o e o conservei
com dedicação e amor
bem juntinho do meu!
E o tempo foi passando
e eu bem feliz me sentia,
com o suave toc-toc
do teu meigo coração
a bater pertinho do meu!
Certo dia, sem razão,
numa estranha confusão,
levaste teu coração:
Lutei, lutei e lutei,
para que ninguém roubasse
o que muito bem guardei!
Hoje com muita tristeza
sinto uma enorme saudade
do teu meigo toc-toc
juntinho do meu coração.
sexta-feira, 1 de agosto de 2025
"Quando a Literatura me levou a Bom Jesus"
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Valeria Fernandes, autora mineira de 11 livros infantis |
Foi pela literatura que os caminhos se cruzaram.
Vinda de Juiz de Fora, em Minas Gerais, a escritora Valeria Fernandes, autora de 11 livros infantis, chegou a Bom Jesus do Itabapoana pela primeira vez, convidada para participar da III FLICbonjê (Feira Literária e Cultural de Bom Jesus do Itabapoana)
Logo ao chegar, o encantamento foi imediato.
Entre ruas acolhedoras, ela se surpreendeu com a limpeza, a organização e o carinho visível em cada detalhe da cidade.
Mas foi o calor humano que a conquistou de vez.
A cultura bonjesuense — rica, viva, pulsante — se revelou em conversas, apresentações, livros, olhares e sotaques.
Gente que valoriza suas raízes e acolhe com generosidade.
Na feira, encontrou leitores, ouviu histórias, compartilhou palavras.
E entendeu que a literatura, ali, não é só escrita — é vivida.
Bom Jesus do Itabapoana, com sua alma cultural, ganhou um lugar especial em seu coração.
E a primeira visita, certamente, não será a última.
A fé refletida nas águas
"Com seu reflexo nas águas,
num anoitecer tão belo,
dá adeus à dor e às mágoas
a igreja de Padre Mello".
(Lúcia Spadarotto)
quinta-feira, 31 de julho de 2025
Obra do Divino: a Açorianidade que floresce em Bom Jesus
Há cartas que não chegam apenas com palavras. Chegam como bênçãos.
Hoje, sobre as mãos da presidente da ABIJAL, Beatriz de Fátima Magalhães Dias, repousou uma correspondência que não era só papel — era memória, era legado, era destino.
Da longínqua e azul Região Autônoma dos Açores veio o reconhecimento: a ABIJAL, nossa jovem e pujante Academia Bonjesuense Infantojuvenil de Artes e Letras, foi acolhida como guardiã viva da Açorianidade em nosso solo. E como um sopro do Divino Espírito Santo, a resposta trouxe também sustento: mil euros que darão asas às próximas celebrações culturais em nosso município.
Tudo isso no limiar de uma festa que carrega mais que símbolos — carrega fé.
Amanhã, o Divino começará a descer entre nós. Como desceu, um dia, entre os antigos moradores das lavouras e colinas de Bom Jesus, nas figuras de Antônio Teixeira de Siqueira e Francisco José Borges, que em meados de 1860 começaram a gestar entre nós a tradição da Coroa e do Cetro do Divino Espírito Santo.
E essa pomba que canta no Hino do Espírito Santo, conhecida em nossa terra como “Alva Pomba”, voou até nós pelas mãos de um açoriano de espírito e de ação: Padre Antônio Francisco de Mello. Chegado no dia 18 de junho de 1899, ele não só ofertou cânticos, mas colunas, vitrais, cultura. A própria fachada da Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus é sua prece em pedra.
É certo: a história é feita de nomes. Mas é a alma do povo que os sustenta.
E é por isso que no dia 2 de agosto, entre livros, palavras e sons da nossa III Feira Literária e Cultural, a ABIJAL abrirá o palco à estreia da Tuna Luso-Bonjesuense — música que vem do mar, da ilha, da terra, do coração. Cantará o que somos: parte Açores, parte Brasil, completamente Bom Jesus.
E como se tudo se alinhasse num tempo sagrado, no dia 13 de agosto, quando celebramos o Dia Municipal do Imigrante Açoriano, será inaugurado um monumento na Praça Governador Portela. Pedra sobre pedra, honra sobre história. Uma homenagem silenciosa, porém eterna às famílias de acordescendentes que trouxeram nos ombros e no sangue a herança açoriana, e a plantaram com carinho no Vale do Itabapoana.
Sim, é obra do Divino.
Pois o que se constrói com fé, com arte e com memória, não se apaga.
Floresce. Canta. E permanece.