Estava eu na cadeira do dentista, quando passou o carro da funerária anunciando o falecimento de um cidadão, cujo nome não me lembro, mais conhecido como “Paletó”, dizia o anunciante.
Curioso com a alcunha do falecido, indaguei do dentista se ele o conheceu e o porquê do inusitado apelido. E ele, rindo, contou-me a seguinte história:
Era junho e naquela noite fazia frio. Quatro amigos estavam sentados no botequim, junto a uma mesa que já ostentava algumas garrafas de cerveja. Falavam de futebol e outras coisas. Por volta das 22 horas, um dos membros do grupo, comentou algo sobre certa pessoa conhecida, que havia falecido. E começaram a emitir suas opiniões sobre a criatura morta, seus méritos, seus defeitos, casos ocorridos, aquele papo que sempre rola nessas ocasiões.
Em função desse triste evento, a conversa descambou para o assunto alma do outro mundo, assombração, espíritos e cemitério. Quem acredita, quem não acredita, quem tem medo, quem não tem, quem é macho, essas coisas, Conversa de bêbados.
Já passava das onze horas da noite e todos, já vem alcoolizados, continuavam trocando figurinhas e falando abobrinhas, até que um deles teve a brilhante ideia de fazer um comentário desafiador: quem aqui tem coragem de entrar no cemitério à meia noite? Aquele que tiver, vai ganhar uma caixa de cerveja. Todo mundo topa? Toparam.
O cemitério ficava logo ali mais à frente. Coo se tivessem combinado, na mesma hora todos olharam para a fora, na direção das sepulturas que estavam mais à vista. Reinou silêncio. Ninguém se manifestou. – Só o Waldemar, que vestia um paletó que ele não conseguia abotoar, de tão apertado. – Pois eu vou, disse ele, e depois vou beber sozinho aquela caixa de cerveja, seus otários!
Todo mundo aceitou a valentia do Waldemar. Mas, se ele entrasse lá, teria de provar. E como provar? Combinaram, então, que o Waldemar, para comprovar a sua façanha, teria que pregar uma tampinha de cerveja bem em baixo, no pé do grande cruzeiro que havia lá dentro. – Aí sim, o dia seguinte todos iriam lá para conferir se o cara entrou ou não. Tudo certo e combinado, pagaram a conta e cada um foi ara o seu lado.
Faltavam cinco minutos para a meia-noite no relógio do Waldemar. A noite estava fria, com uma neblina baixa e bastante escura. Sentindo um frio danado, ele chegou, olhou para os lados e empurrou o pesado portão de ferro. Portão de cemitério nunca está trancado! – Entrou devagarinho, ressabiado, morrendo de medo. Trazia dependurado no cinto um pequeno martelo e três chapinhas, tampinhas de garrafa, cada uma já com um prego enfiado no meio. Era só encostar um conjuntinho daquele no poste e pregar. Trazia três porque, sabe-se lá, uma podia cair no chão e se perder; era de noite, estaria escuro, e ai ? – Inteligência é para quem tem!
Medrosamente, e ainda meio zonzo pela cervejada de poucas horas antes, nosso herói caminhava cuidadosamente pela ruazinha existente entre as sepulturas, sempre na direção do cruzeiro, que ele divisava através da neblina. Avançava com certa dificuldade, tropeçando nas pedras do chão irregular, amparando-se de um lado e do outro nas velhas catacumbas, imundas e molhadas, ajudado somente pelas luzes vindas da rua, que ainda conseguiam varar aquela escuridão e aquela terrível neblina, que começava a virar água de chuva. – Nunca cinquenta e poucos metros foram tão longos para o Wanderlei.