Norberto Seródio Boechat |
Inclemente, o
sol do meio dia fustigava e fazia pender
as folhas dos eucaliptos. Pássaros se protegiam nas ramagens das mangueiras.
Lagartos, nas fendas das pedras, agitavam, inquietos, as cabeças. Eu estava
numa das janelas da fazenda do Bonito. No terreirão, a professora fechou a
porta da escola após manhã de trabalho. Crianças espalharam-se em algazarra.
Separados do grupo, dois meninos com embornais de cadernos e cartilhas não
participavam dos folguedos e procuraram logo o caminho para suas casas. À
frente, subida íngreme de terra batida, desenhada pela erosão e encrespada de
pedras. Cumpriam todos seus destinos.
Esta
visão do passado, ao marcar o momento, deixou a imagem dos dois. Retornavam aos lares
lá no alto, entre morros, para a vida rotineira da roça. No restante da tarde ainda
ajudariam os pais na faina diária. No
dia seguinte, novamente desceriam e fariam fila para novas lições.
Os ensinamentos abririam novas
oportunidades? Teriam eles a percepção de trilhas a desancar? Entenderiam o trajeto
pelas serras como uma possibilidade de investimento em futuro melhor? Ou permaneceriam,tal
qual os pais, há gerações plantando e roçando? Não sei. Não acompanhei suas
vidas. No entanto, a cena naquele definidor de tempo disparou o mundo das interrogações, da inquietante
análise dos destinos.
Se por
lá ficaram, na serra e nas roças, com foices e enxadas, não seriam tão
importantes quanto aos que, tendo buscado novos horizontes,passaram a advogar e
a edificar? Não representariam díspares,
mas inseridos destinos no todo? Não se
lhes facultariam iguais reverências pela vida? Alguém tem que plantar. Alguém
tem que advogar ou erguer construções. E
sabemos que não há diferença entre os mecanismos de disparos celulares e
contrações de músculos que comandam as ações, sejam elas nos que estão no alto
da Pedra Branca ou nos que comandam tribunais.
No
mesmo raciocínio, imaginem a magnitude das mulheres que passaram boa parte do
século passado, no pós guerra, a cozinhar para manter seus maridos nas
lavouras, produzindo o reerguimento do Brasil. Avaliem na mesma época as
normalistas–
muitas vezes a cavalo ao caminho das escolas − alicerçando as mentes que
dirigiriam a grande nação.
Creio
que a importância é a mesma. É impossível, em essência, no transcendental
avanço da humanidade, discutir importâncias. O que me intriga é o acaso das
estradas de cada qual. Por que escolhidos alguns para este e outros para aquele
caminhar?Que forças ou poderes determinaram as mãos que movimentariam enxadas e
foices ou as que ditariam sentenças ou as que comprimiriam o giz branco sobre o
quadro negro? Não há dúvida de que são extremos. Se algo pode ser inserido, entre pontos de paralelas, são os destinos humanos.
Concomitantes voos como os das galáxias pareadas.Somente Deus em Suas
entrelinhas para explicar a complexidade dos teatros humanos.
Os que
permaneceram na roça, é provável,não ouviriam o Requien de Mozart. Mas, também, os doutores não veriam o sol
inundar a neblina da madrugada e nem escutariam os estalos dos gravetos a
aquecer a água para o primeiro café. São realidades diferentes, são grandezas
distintas, mas continuo ponderando, intrigando-me com a distribuição de Deus,
com Sua decisão individual sobre os destinos. Resta-me aceitar, pois é evidente
a lógica, a organização da Divindade. Vejam como somos pequenos: um móvel com a
velocidade da luz demoraria cerca de 220 mil anos- luz para atravessar
Andrômeda, a galáxia mais próxima da Via Lactea, em seu maior diâmetro. Fácil,
portanto, gerir destinos entre montanhas ou entre campus de universidades aqui
em nossa terrinha.
Saint Exupery esqueceu-se de levar seu pequeno príncipe aos planetas das escolinhas do interior e aos caboclos descansando sob as sombras dos mexeriqueiros.
Na verdade, somos, por óbvio, seres em extremos na vida e profundamente interligados no universo. Construímos e nos propomos a julgamentos. Num momento,supremos, noutro, ínfimos, diminutos. Num momento marcamos a cristalinidade absoluta, noutro, o absurdo do horror. Assim, fazemos a história, e nela não conheceremos os limites determinantes de que uns são melhores do que outros.
Saint Exupery esqueceu-se de levar seu pequeno príncipe aos planetas das escolinhas do interior e aos caboclos descansando sob as sombras dos mexeriqueiros.
Na verdade, somos, por óbvio, seres em extremos na vida e profundamente interligados no universo. Construímos e nos propomos a julgamentos. Num momento,supremos, noutro, ínfimos, diminutos. Num momento marcamos a cristalinidade absoluta, noutro, o absurdo do horror. Assim, fazemos a história, e nela não conheceremos os limites determinantes de que uns são melhores do que outros.
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