No ano de 1983, a prefeitura de Bom Jesus do Itabapoana promoveu a publicação de um texto histórico intitulado "UMA MULHER CHAMADA IRACEMA", sobre a poeta Iracema Seródio Boechat, com a assessoria de imprensa e comunicação do saudoso jornalista Carlos Araújo, do Governo do prefeito Paulo Portugal.
A direção geral da pública coube a José Luiz Silva. Os redatores foram Rogério Figueiredo, Lurdinha Borges, Marcos Porto, Rubens de Oliveira, Catarina Silveira e Vera Ourique.
Helton Almeida & Cia. realizou a composição e impressão.
Por ocasião da passagem dos 100 anos de nascimento da saudosa poeta Iracema Seródio Boechat, que ocorreu no dia 18 de maio passado, seu sobrinho, o médico Dr Nino Moreira Seródio, encaminhou o texto para publicação em O Norte Fluminense.
Segue a entrevista histórica, com introdução do Dr Nino Moreira Seródio.
Uma Mulher Chamada
IRACEMA
18/05/1921--18/05/2021
Poetisa, mãe,esposa,professora, amiga, Iracema representa para todos nós, a configuração modelar da mulher.
Fiel ao seu chão, ao rio da sua aldeia, lembrado por Fernando Pessoa, nunca deixou também de ser uma mulher informada e ligada às coisas do seu tempo e de outros espaços.
Em sua casa, em Pirapetinga, escutava clássicos, e estudava novas técnicas de agricultura.
Nada, absolutamente nada do que é humano escapa à sua percepção.
Querida pelo seu povo, adorada pela sua família, Dona Iracema pode se considerar uma mulher que foi feliz
Publicamos esta entrevista homenageando seu centenário de nascimento.
1- O que é Pirapetinga para Dona Iracema ?
R- Pirapetinga atualmente é uma Vila que muito deve aos políticos do passado, como Gauthier Figueiredo que era prefeito,quando Pirapetinga passou a distrito. Dr. José Vieira Seródio era deputado e Ésio Bastos era vereador, eles lutaram pela emancipação de nosso distrito, juntamente com meu marido, que fazia parte da Câmara Municipal nessa ocasião. Pirapetinga não tinha esse nome. Anteriormente era chamado de Vargem Alegre,por causa de um mineiro muito alegre que gostava muito de pinga e morava na fazenda dos Germanos, e vinha para Vargem Alegre, à noite, e tomava suas pingas, fazendo a alegria do povo.
2 - Uma coisa que me intrigou nessa atuação política e educacional,principalmente na vida da senhora aqui em Pirapetinga. Em 1954, a senhora falava no papel da mulher moderna na sociedade.Como foi isto?
R-Através da leitura...eu assinava uma revista de ensino do Rio Grande do Sul, que se primava muito pela emancipação feminina e do trabalho da mulher como educadora na sociedade.
3-E como era visto naquela época em que se falava pouco em Modernismo e muito menos na mulher participando?
R-Antigamente, naquela época, não havia essa evasão ao movimento feminista,ele não era atuante, então não havia contradições.
4-Dona Iracema, como foram seus estudos? Quando a Sra. começou a trabalhar?
R-Minha primeira mestra foi Amália Teixeira, depois conclui meu curso ginasial no Colégio Rio Branco. Posteriormente, o Curso Normal estudei em Muriaé, Minas Gerais. Me formei Normalista em Muriaé. Mais tarde, acompanhei os estudos do meu filho em Itaperuna. Acabando, fiz prova de Português para a faculdade de Letras e passei com a média de 9.8.
5- Na faculdade a senhora se formou em que área?
R-Em Letras: Português e Inglês.
6-A senhora já atuava como professora?
R-Eu atuei como professora primária por 27 anos e, depois, como professora e diretora de um Ginásio de Campanha por mais 6 anos, sempre em Pirapetinga.
7-Quando a senhora se casou, já morava em Pirapetinga?
R-Morava numa fazenda próxima.
8-Como a senhora vê a questão da escola pseudo-moderna?
R-Eu acho a questão da educação muito complexa, acho que o professor tem que ser adaptado à realidade local. Ao fazer o ingresso, ele devia, tenho a impressão, que as autoridades da educação deveriam dar preferência à localidade por que participam tanto dos problemas dos alunos como também dos problemas da comunidade.
9- O que a senhora acha da regionalidade do ensino?
R-Você acha que isto foi agora, depois da reforma, que não se leva em consideração a localidade, porque os primeiros programas de 40 anos para cá, eles se batiam muito pela localidade, geralmente na segunda série primária o aluno tinha que conhecer tudo, tudo sobre sua localidade.
10-Como é a D.Iracema Seródio, mãe, mulher, avó, a vida do lar?
R-Quando casei-me, já lecionava. Meu marido, sempre lutando muito,viajava quase todos os dias, chegava muito tarde devido à luta dele. Tive meus filhos todos em casa, sem ter que ir para um hospital para fazer cesareana. Havia um médico, quero render aqui a minha homenagem póstuma ao meu primo-irmão, que foi o parteiro dos meus quatro filhos - Dr. José Vieira Seródio. Temos levado a vida de espinhos, mas ao mesmo tempo de vitórias, de glórias por termos 4 filhos que são trabalhadores, são honestos. Eu me sinto orgulhosa disto, o exemplo do pai que não tem vício nenhum.
11- E Jacinto Seródio?
R- Ele puxou o pai, e eu venho lutando há muito tempo para que o pai saísse da política. Não foi possível, porque o filho entrou. A princípio, eu estive afastada, eu acho que todos devem participar. Podia haver novos candidatos interessados na política, mas é difícil a gente trabalhar a título de participação. Ele foi, por exemplo, vereador aquela quantidade toda de anos... quando se organizavam os partidos, havia as convenções. Era difícil as pessoas se interessarem por política, pois é uma carreira muito penosa.
12- Como foi para a senhora receber a homenagem do Anfiteatro Iracema Seródio Boechat?
R-Foi legal, apesar de achar que outras professoras bonjesuenses, mais antigas, merecessem receber o nome do Anfiteatro. A princípio, eu relutei, eu apresentei um nome, o da minha primeira mestra. Mas recebi com alegria e emoção.
13-Vamos falar da poesia, coisa que a senhora é especialista. Como a senhora começou a escrever?
R-A princípio, eu registrava as minhas emoções, às vezes, as emoções de períodos críticos da vida da gente. Parece que a gente se emociona mais, vem a inspiração para escrever e, depois, eu escrevia só para mim. Nem meus filhos tinham conhecimento. Depois, ultimamente, uma visita do Dr Ayrthon Borges Seródio aqui em casa, ele me convidava para pertencer à Academia. Então, eu mostrei para ele alguns poemas que eu tinha e ele me incentivou. Daí, passei a compor mais. A princípio, a inspiração vinha através de uma tristeza, de uma mágoa, de uma decepção, por exemplo. A primeira que eu escrevi foi após a morte de minha mãe, que me deixou uma saudade imensa, porque foi uma mãe exemplar.
Eu tenho poemas, crônicas e trovas. As crônicas, tenho várias publicadas nos jornais O Norte Fluminense e A Voz do Povo... assim, no Dia das Mães, uma crônica dedicada ao Roberto Silveira pela morte dele...
14-Dona Iracema, a senhora é muito ligada à expressão da família, seus irmãos, sua mãe, eu queria que a senhora falasse da família de origem, como apareceram em Bom Jesus essas duas famílias?
R-A família de meu marido era de colonos suíços, franceses que vieram da Suíça e se localizaram em Santa Maria Madalena, Cantagalo, onde é, hoje, o Município de Nova Friburgo. Eles são os colonizadores de Friburgo,os Lengruber,os Boechat, os Mury, os Minerar, e de lá vieram para aqui.Veio o Frederico Lengruber, que foi colonizador, o fundador de Pirapetinga, ele tendo muitos filhos, irmãos, ele veio e convidou os demais que também vieram. Não vi o livro do Sr. Zico (Zico Camargo), mas me parece que ele botou como fundador o Fernando Dutra.O Fernando Dutra passou por Pirapetinga, mas não a colonizou. Silva Pinto também passou por Pirapetinga, mas não a colonizou. Quem colonizou foi Frederico Lengruber, e o resultado aí está.Propriedades dos Boechat em todos os recantos do distrito. Ali para baixo do Arraial Novo, já residiram Iraplante Boechat, Mistil Boechat... na Braúna havia Frederico Boechat, no Viveiro, Henrique Boechat e esses Boechat, que continuam ainda radicais nestas propriedades, nos dá uma noção da realidade. Fernando Dutra residiu na Queijeira.
15- E a família Seródio?
R-A família Seródio também veio de Portugal, dos Açores. Vieram para a fazenda São Domingos, na estrada de Bom Jesus a Itaperuna, a fazenda que ainda existe. Eles foram para ali como colonos e, depois, se espalharam para, uns para Barra, e outros para Pirapetinga. Foram também colonizadores, dentre eles, meu pai, que veio de Portugal- Açores, com 2 anos de idade
16-Quais eram os nomes de seu pai e sua mãe?
R-Minha mãe era Laudelina de Frias Seródio, meu pai, Jacintho Vieira Seródio.
17-O que Bom Jesus do Itabapoana significou para a senhora?
R-É minha terra, você já viu... a terra da gente é tudo na vida da gente. Eu acho Bom Jesus uma cidade muito acolhedora, diferente de outras cidades que conheço de perto.
18-Como a senhora vê a volta do café?
R-Eu acho bom, porque errando a gente aprende. A cultura do café foi vítima de erros horríveis, com a sua erradicação. Havia excesso de produção. O país tinha dificuldade em comercializar o café. Havia excesso de café, estava desvalorizado. O Getúlio achou que devia erradicar o café. Os agricultores daquela época lutaram com muita dificuldade. Eu me lembro que dona Nadir Costa, uma agricultora perfeita, sofrida, ela erradicou uma lavoura linda, nova, que ela formou em curva de nível, lições trazidas da escola de Viçosa, MG.
19-Dona Iracema, quem foi José Vieira Seródio para a senhora?
R-Foi uma criatura desprendida, que visitava as pessoas neste alto de serra, a cavalo, às vezes tinha que transpor o Córrego do Leite, a pé... vinha de automóvel e não tinha ponte, pegava um cavalo e seguia para a serra da Serônia, todos estes montes para atender as mulheres que iam dar à luz.
20-Na vida do Município e do Estado, quais os nomes na política e na História que a senhora pode citar?
R-No Estado do Rio de Janeiro, Roberto Silveira, em Bom Jesus do Itabapoana, Gauthier Figueiredo, e, no Brasil, Juscelino Kubtschek.
21-A senhora conheceu o Padre Mello? Qual a imagem que ele deixou para a senhora?
R- A imagem deixada pelo Padre Mello está em todos os bonjesuenses, a minha é igual à de todos. Convivi com ele, inclusive. Quando ele se encontrava com a gente, ao invés de perguntar em que série eu estava, ele perguntava "em que altura tu estais?". As missas no terreiro da fazenda, inclusive a pedra fundamental da nossa capela foi lançada por ele, com uma festa linda no pátio da fazenda. Banda de música e tudo. A família Germano doou o terreno e todos colaboraram.Ainda me lembro o nome do pedreiro, que se chamava Nilo. Acho que o privilégio da construção da capela se deu no terreno de um Germano, Alberto Germano.
22-Uma mensagem para os jovens,principalmente para Bom Jesus...
R- Que sigam os exemplos das gerações que os antecederam.Todo filho, todo rapaz,deve muito a seu pai,a sua mãe,a sua professora,aos seus mestres. Bom Jesus pode ser virtuoso por mães, professores virtuosos, cumpridores dos seus deveres, grandes homens e grandes mulheres.
Iracema Seródio Boechat e Agostinho Boechat
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