Isabel Menezes, escritora e memorialista varre-saiense |
A festa de Pentecostes remonta às origens do catolicismo, cinquenta dias após a Páscoa, quando o Espírito Santo, Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, desceu sobre os Apóstolos e a Santíssima Virgem, reunidos no cenáculo, em forma de línguas de fogo. As festas populares do Divino foram instituídas em Portugal pela rainha Santa Izabel de Aragão e esposo, o rei dom Diniz(1271-1336), precisamente no século XIV, na intenção de pedir a paz durante o seu reinado.
A primeira comemoração aconteceu na vila de Alemquer, irradiando por todo território português. Nos primeiros festejos os peregrinos carregavam uma cópia da coroa do império que tinha como símbolo principal a pomba. O grupo seguia pelas ruas recolhendo donativos para a população carente. A festa instalou-se definitivamente e com raízes profundas, no arquipélago dos Açores desde o início de seu povoamento, especialmente na ilha de Santa Maria. Assim, enquanto no continente os festejos foram perdendo o antigo esplendor e entusiasmo, nas ilhas mais e mais se incrementavam e intensificavam.
De acordo com Portal do Divino.com, “em 1492 foi erguido o melhor império das ilhas, em Angra do Heroísmo, ilha Terceira, sob a invocação do Paráclito.
Pouco a pouco foram os impérios se renovando, com arte e luxo, procurando cada ilha tê-lo maior e melhor. Era em frente desses impérios, capelas dedicadas e consagradas ao Espírito Santo, que se dava o bodo, isto é, a distribuição de alimentos aos pobres no dia do Divino. Esta parte era a essencial da festa e se realizava após a missa festiva. À tarde havia procissão e, à noite, luminárias.
A festa, porém, continuou sempre e das ilhas veio para o Brasil, trazida, como é bem de imaginar-se pelos casais açorianos que povoaram o Brasil Sul, em especial Santa Catarina, a partir de 1748, e o Rio Grande do Sul, a partir de 1751.”
De acordo com os escritos do Padre Antônio Francisco de Mello, açoriano, da ilha de São Miguel, que chegou a Bom Jesus do Itabapoana dia 18 de junho de 1899, a Festa do Divino alcançou esta referida cidade com os senhores Francisco José Borges, proprietário e residente da fazenda Braúna e Antônio Teixeira de Siqueira, dono da fazenda da Barra, de 1860 a 1862. Padre Mello, ao se deparar com a comemoração já tradicional na cidade, festejos semelhantes aos que aconteciam em sua terra natal, tratou logo de incrementá-los com a visita das Insígnias do Divino às residências que é um costume açoriano, e introduziu o conhecido Alva Pomba, que é o Hino oficial do Divino Espírito Santo dos Açores.
Recém ordenado sacerdote, Padre Antônio Alves de Siqueira passou por Bom Jesus do Itabapoana, ficando encantado com os festejos do Divino, tradicionalmente comemorados na cidade. Sendo nomeado Pároco de Varre-Sai em 1973, foi estruturanda a devoção no então distrito e conseguiu realizar por duas vezes a Festa do Divino, com grande pompa e adesão de toda população. Padre Antônio moveu cidade e campo numa harmonia de religiosidade, trabalho, cultura e arte. As costureiras na máquina dia e noite, as bordadeiras improvisadas, bordando as roupas do império, as cozinheiras preparando os quitutes, os marceneiros fabricando escudos e espadas, as artesãs pintando, colando, pregando, os fazendeiros unidos aos meeiros, escolhendo cavalos e cavaleiros para participarem do desfile, as Zeladoras do Apostolado lavando a igreja até a escadaria, as Filhas de Maria colhendo as mais belas flores para enfeitar a igreja, dona Nenzinha e Sr. Godo preparando a casa que seria o palácio da Imperatriz por um dia. Todos participavam e ninguém ficava sem função. No dia de Pentecostes, pela manhã ensolarada, o Império saía da casa do sr. Godo (Godofredo Fabre), atravessava majestosamente a rua, sob a vista dos paroquianos devotos do Divino, em direção a escadaria da matriz de São Sebastião, onde o imperador era coroado pelo Padre Antônio. Seguindo, o cortejo subia para a igreja, onde havia a Santa Missa solene. O dia todo era de festa, jogos, leilões e cavalhadas (mouros e cristãos), num ritmo de paz e alegria. Adentrando a noite, nossa corte subia os degraus da casa da Dilina, de onde o imperador jogava balas para as crianças, Padre Antônio fazia seus agradecimentos efusivos e os fiéis retornavam felizes às suas residências.
Rosane Bendia foi a primeira Imperatriz do Divino de Varre-Sai, e diz: “Ter sido a primeira imperatriz da Festa do Divino foi muito emocionante. Uma festa única, um momento de fé que se tornou tradição em nossa comunidade cristã. Emocionante ter sido escolhida e até hoje recordo com muita alegria aqueles dias felizes vividos na igreja, protagonizando o império do Divino. Que o Divino Espírito Santo continue iluminando nossa cidade.” Os imperadores desses dois anos foram seguidamente Pedro Pirozzi e Tomé Gabriel Coimbra Pelegrini.
A professora Maria Olinda Fabre, vizinha da igreja matriz desde o seu nascimento, assim descreve:" Falar da Festa do Divino é mágico, alegre e uma festa de fé!!
Na minha infância tive a oportunidade de participar dessa festa e a praça da matriz era uma alegria só: enfeites na praça, no coreto e na escadarias. Os rapazes todos bem vestidos como príncipes montados no cavalo e na frente o rei , logo após as princesas todas bem vestidas, com cabelos arrumados e c buquê de flores e tb na frente a rainha! Quanta saudade do padre Antônio que conduzia à cerimônia c muito afinco!! É de grande importância resgatar a cultura de nosso município trazendo a festa do divino nas ruas ,na igreja, em nossas casas e em nossa vida!!:
Assim escreveu Dr. Gino Bastos, Promotor de Justiça e escritor de Bom Jesus do Itabapoana: “O fato é que as duas ocasiões em que ocorreram a Festa do Divino no município irmão ficaram na memória do povo e levou a Administração Apostólica São João Maria Vianey a promover o resgate dessa tradição. Esse resgate tem mostrado toda a força da celebração no seio da comunidade varre-saiense, que conta com a tradicional procissão de tratores e veículos usados na agricultura. Com efeito, a Festa do Divino ocorre, no Arquipélago dos Açores, por ocasião das primeiras colheitas, sendo repleta de significados, comemorando a chegada de uma era de paz, com a partilha, a caridade e a união. A Festa do Divino em Varre-Sai, que ocorrerá no próximo dia 28 de maio, constitui uma evidência dos laços que unem Bom Jesus ao município vizinho e aos Açores, momento de "viver a utopia da solidariedade, concretizando o sonho de uma sociedade livre, fraterna e feliz".
Um dos principais símbolos da festa do Divino é a bandeira, que inspirou o compositor Ivan Lins a escrever uma das suas mais significativas e belas canções. A melodia e a letra nos remontam às tradicionais modas de viola e resumem todo ambiente dos festejos do Divino Espírito Santo.
Os devotos do Divino
Vão abrir sua morada
Pra bandeira do menino
Ser bem-vinda, ser louvada, ai, ai
Deus nos salve esse devoto
Pela esmola em vosso nome
Dando água a quem tem sede,
Dando pão a quem tem fome, ai, ai
A bandeira acredita
Que a semente seja tanta
Que essa mesa seja farta,
Que essa casa seja santa, ai, ai
Que o perdão seja sagrado
Que a fé seja infinita
Que o homem seja livre,
Que a justiça sobreviva, ai, ai
Assim como os três reis magos
Que seguiram a estrela guia
A bandeira segue em frente
Atrás de melhores dias, ai, ai
No estandarte vai escrito
Que ele voltará de novo
Que o rei será bendito
Ele nascerá do povo, ai, ai
(Isabel Menezes)
Isabel Menezes, quando criança, e Marco André |
Padre Antônio Alves de Siqueira deu início à Festa do Divino em Varre-Sai |
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