Napoleão Lyrio Teixeira |
Fomos, ontem, ao circo - Hylda, eu e os três netinhos. Um desses grandes circos da estranha, que correm mundo. Sacrifiquei minha sagrada sauna de sábado para isso, e foi bom aos olhos de Deus.
Lá estava ele, grande, imenso, toldo verde, bandeirolas multicores; vendedores mil, de guloseimas tentadoras desvairando a criançada. Música tocando. A grande fita da entrada, o chão coberto de fitas de madeira, luzes, zoeira de muita gente alegre, bancadas apinhadas de povo.
Arranjei um "camarote" junto ao picadeiro e observando a felicidade brilhar nos olhinhos travessos de Gina, do Júnior e da Kitty e assistindo o desenrolar do espetáculo - fechei os olhos. Volvo muitos anos atrás. Aos circos da infância minha, na doce querência bonjesuana.
Seria eu aquele moleque magrinho, de canela preta, acompanhando o palhaço, cavando uma entrada de graça? Que acabava enjeitado, não ganhava entrada alguma e tinha de passar debaixo do pano? Era. Falta de dinheiro, não; era pedir, "seu" Capitão dava: farra mesmo.
Circos de antanho que estão morrendo hoje. Como eram belos para o nosso mundo simples, sem as maravilhas do moderno progresso, que não sei bem se tornam mais feliz a criatura humana.
Um dos mais lindos filmes a que assisti - "Lá Strada" - fala de um cirquinho mambembe, que percorre lugarejos humildes da Itália, e no qual apenas trabalham o proprietário e uma feia mulherzinha. Tela pequena, preto e branco, mas infinitamente superior a muito abacaxi colorido, em ampla-visão, que se vê por aí
Houve, outrora, em Bom Jesus, "seu" Silva. Morava bem no local onde é hoje o Aero-Clube. Vida calma, burguesa, com mulher e filhos. Um dia, para surpresa geral, resolveu fazer um circo. Comprou pano, começou a fazer o toldo; mandou cortar o mastro, no mato; arrumou bancadas, tudo enfim. Veio o dia da estreia. Era ele o palhaço, a família dava u'a mãozinha no resto da parte artística. Depois, "seu" Silva se mandou por esses mundos de Cristo. Na nova vida nômade. Desapareceu. Se foi feliz ou não, se enricou ou empobreceu, não sei. Só acredito que morreu contente: realizou um sonho.
Na minha vida de médico, tenho atendido artistas de circo. Certa feita, ainda no interior, chegou-me, noite velha, trazida pelo dono do cirquinho pobre, a trapezista; sofrera uma queda, fraturara o antebraço. Era uma criaturinha magra, seca, esquálida, carinha de rato, a olhar, aterrorizada, para o truculento patrão, que sem dúvida a espancaria, ao voltar, por não poder trabalhar. Arrumei-lhe o braço: "Quanto lhe devo, Doutor?" . Pois não era nada. Chorou. Foi o serviço mais bem "pago" que tive, nos meus quase 34 anos de médico.
Tenho atendido palhaços. Todos grandes deprimidos. Fato sabido: todo humorista, todo "engraçado", todo palhaço é...truste. Busca compensação no fazer rir a outrem. Não poucos se acabam matando. Mas isto tem sido tão explorado pela literatura, que passo por cima: deixo apenas um depoimento.
Dizem que a vida é um palco, em que somos todos nós meros atores, desempenhando um papel. Ótimos, uns; bons, outros; regulares, uns quantos, sofríveis, não poucos; péssimos, muitos. Há de tudo no "elenco".
Na minha opinião, a vida não é um teatro: um circo é que é. Muita luz, muita alegria, música muita, aplausos, vaias até. No circo da vida, há de tudo: os que não passam de "charutos"; os que andam no arame; malabaristas de todos os tipos; os que engolem espada ou engolem fogo; trapezistas. E palhaços - palhaços cuja alegria única, muitas vezes, é ver o circo pegar fogo...
E há os espectadores. Muitos vão para se divertir. Há, porém, aqueles, do tipo inglês que ia, todas as noites, na primeira fila, só para assistir ao número, arricadíssimo, de quatro trapezistas que, positivamente, jogavam a vida, realizando proezas incríveis, e sem a rede protetora. Pagava, entrava na hora certa, acabando o número saía. Indagaram-lhe se gostava tanto assim. Respondeu que não: "eu só venho para ver a hora em que um deles caia do trapézio".
Há disso, no "circo" da vida: gente que parece bater palmas a nossos feitos e que, na realidade, por dentro, está torcendo para assistir à nossa queda do alto, ao momento de nos esborracharmos no chão..
Nota do jornal O Norte Fluminense: O médico Dr Napoleão Lyrio Teixeira ocupou a Cadeira nº 13, patronímica de Cesar Ferolla.
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