A comunidade rural de Jacutinga, localizada em Varre-Sai, no estado do Rio de Janeiro, é um exemplo vivo de como as tradições religiosas trazidas por imigrantes podem se enraizar e moldar a identidade de um povo. Desde os tempos da colonização italiana, a fé em Santo Antônio de Pádua é celebrada com devoção e participação ativa da população local.
Essa tradição começou com os imigrantes Raquel Murucci e Luís Murucci, que vieram da Itália trazendo consigo a fé no santo taumaturgo, conhecido como protetor dos pobres, dos casais e das causas impossíveis. Ao longo das décadas, essa devoção cresceu e se tornou parte essencial da cultura da comunidade.
De acordo com Margarida Rodolphi Grillo, que compartilha sua história por meio da tradição oral, seus ancestrais italianos se estabeleceram na região, vivendo inicialmente em um rancho de sapê. Foi ali que enfrentaram uma situação difícil: o filho do casal adoeceu na adolescência e permaneceu acamado por longos sete anos. Diante da situação, dona Raquel fez uma promessa: se o filho se curasse, ela construiria uma igreja dedicada a Santo Antônio naquele local.
Com fé e perseverança, ela e outras mulheres da comunidade passaram a rezar diariamente o terço e o rosário, sempre pedindo a intercessão do santo. Um cruzeiro foi colocado onde mais tarde a igreja seria erguida. Após anos de orações, o jovem se recuperou, casou-se e teve filhos, o que foi interpretado como um milagre alcançado por meio da fé.
A promessa foi cumprida: dona Raquel conversou com Fortunato Magro, proprietário do terreno, que permitiu a construção da igreja. A comunidade se mobilizou e a primeira capela foi inaugurada em 1924. Para completar a obra, dona Raquel foi até a Itália buscar uma imagem de Santo Antônio, que até hoje permanece no altar principal da igreja local.
A religiosidade da comunidade não parou por aí. A fé em Santo Antônio é tão presente que, antigamente, era comum que o primeiro filho de cada família recebesse o nome de Antônio. A igreja foi crescendo com o tempo, assim como a infraestrutura ao seu redor: atualmente, há uma igreja maior, uma casa paroquial e um galpão para festas, que são utilizados durante as celebrações do padroeiro.
Além das missas e procissões, os fiéis cultivam outras tradições em torno do santo. No dia de Santo Antônio, são distribuídos pães bentos e realizadas bênçãos de imagens religiosas.
As mulheres sempre possuem um protagonismo nesta comunidade católica, sendo que na década de 80, segundo a pesquisadora Zélia Zerblitz e também a fala popular, quando a mitra diocesana queria se apossar da capela, através da justiça civil, foram as mulheres, que impediram, cercando a porta da capela com enxadas, vassouras, foices e demais ferramentas de trabalho no campo, dispostas realmente a morrer, mas não entregar a capela para o progressismo desvairado que rondava a diocese de Campos dos Goitacazes.
Antigamente as pessoas deixavam suas imagens na sacristia para serem abençoadas e depois as levavam para casa, onde passavam a ocupar um lugar especial de devoção. Na década de 80, um fato curioso ilustra o quanto essas crenças também se misturam com a cultura popular. Segundo a tradição oral, uma jovem, chamada ficticiamente de Maria, ouviu que, para arrumar um namorado, era preciso "roubar" uma imagem de Santo Antônio. Durante a missa, ela teria entrado na sacristia e escondido uma imagem na bolsa. Participou da festa com a imagem o tempo todo e depois levou-a para casa. Tempos depois, ela se casou e teve filhos. No entanto, nunca se confirmou oficialmente se ela realmente cometeu o “roubo santo”, nem se devolveu a imagem. O mistério permanece, alimentando o folclore local.
Esse episódio, mesmo sendo contado com leveza e humor, reforça como a religiosidade popular é rica em histórias que ajudam a transmitir valores, identidades e saberes de geração em geração. A devoção a Santo Antônio em Jacutinga não é apenas uma prática religiosa: é parte do patrimônio imaterial da comunidade, um elo entre passado e presente, entre fé e cultura.
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