quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Os livros perseguidos em Bom Jesus do Itabapoana: Ironia ou destino?

 

Delton de Mattos: livros que não se deixam calar



Há homens que parecem nascer de um encontro secreto entre a terra e o verbo. Delton de Mattos foi um deles. Filho da Serra do Tardin, menino que aos doze anos já se inclinava sobre cadernos e jornais, tornou-se doutor em Letras, professor nas universidades mais prestigiadas do mundo, pioneiro da tradutologia no Brasil. Um bonjesuense que atravessou fronteiras sem jamais abandonar as raízes.

E, no entanto, mesmo os gênios não passam ilesos pelas tormentas do seu tempo. Duas vezes sua voz foi interditada, como se a palavra pudesse ser algemada. O livro “Confissões Consumadas” ousou corrigir a memória oficial, desmentindo discursos políticos. Não bastou que fosse verdade: o livro foi recolhido, como se páginas fossem crime. Mais tarde, na obra “Uma Penca de Bananas”, a sátira ardeu forte demais, e novamente a Justiça mandou calar o escritor. Livros apreendidos, mas jamais silenciados.

Delton, que sucedeu Vinícius de Moraes na direção da revista Alliance Française, de São Paulo, que conviveu com Bandeira, Drummond, Amado, Callado, que fez da tradução ciência e arte, viu seus próprios textos perseguidos em sua cidade natal. Ironia ou destino? Talvez a sina dos que escrevem com a coragem do desassossego.

Mas é impossível apreender o que já se espalhou: sua paixão por Bom Jesus, sua amizade com os poetas da terra, a Biblioteca Romeu Couto que ajudou a fundar em Bom Jesus do Norte, os livros que editou, os autores que preservou. Delton foi maior que as interdições. Seus livros proibidos hoje soam como símbolos da força da palavra: incômoda, viva, indomável.

Ele partiu em 2019, aos 94 anos, mas permanece inteiro em cada página que sobreviveu ao tempo e à censura. Não há gaveta de tribunal que aprisione a eternidade de um escritor.

Delton de Mattos, gênio polêmico da Serra do Tardin, é lembrança e farol. Seus livros, mesmo os interditados, continuam a respirar, porque o verbo, quando verdadeiro, sempre encontra frestas por onde escapar.





Nenhum comentário:

Postar um comentário