domingo, 19 de outubro de 2025

Válber Meireles: um farol na canção brasileira

 


Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, três nomes que se confundem com a própria história da música brasileira. Três violões que, entre harmonias e palavras, transformaram a canção em instrumento de reflexão, liberdade e identidade nacional.

E, à sombra desses gigantes, há outro violão que também canta o Brasil profundo: o de Válber Meireles, artista multifacetado, trovador moderno e poeta das veredas da alma.

As cordas que ecoam a nação

Chico Buarque é o arquiteto da palavra cantada. Sua poesia, engajada e humana, foi trilha sonora da resistência contra a ditadura militar e espelho sensível do universo feminino. Entre o samba e a bossa nova, construiu uma obra que ultrapassa a música e se consolida no teatro e na literatura.

Caetano Veloso, criador da Tropicália, misturou o rock com o batuque da Bahia e o perfume do sertão. Transformou a canção brasileira em linguagem universal, questionadora e poética.

Gilberto Gil, parceiro na revolução tropicalista, fez do palco uma extensão de sua consciência social. Da viola ao reggae, do axé ao samba, atravessou fronteiras e influenciou gerações com sua musicalidade libertária.

Três pilares da MPB. Mas a história da canção brasileira não termina neles. Há vozes que não ecoam nas grandes gravadoras, mas vibram com intensidade nos corações atentos. É o caso de Válber Meireles, artista que faz da música um gesto de resistência e beleza.

O trovador de Itaperuna

Nascido em Itaperuna, no noroeste fluminense, quase mineiro e quase capixaba, Válber Meireles carrega no peito a geografia afetiva de quem canta a terra. Poeta, escritor, cantor, compositor, músico e produtor, ele é um artista completo, desses que transitam entre a canção, a literatura e as artes visuais com naturalidade.

Sua trajetória começou cedo. Aos dez anos, já escrevia versos; aos dezoito, a poesia encontrou a melodia. O primeiro álbum, Caminho da Pedra Preta (2000), inaugurou uma discografia que hoje soma dez álbuns e mais de 130 canções, entre elas, obras de grande sensibilidade como Oásis, Cantos Mensageiros, Desenvelhecendo e Moendagem.

Professor e graduado em Letras, pós-graduado em Língua Portuguesa e Educação Ambiental, e também formado em Nutrição, Válber é daqueles artistas que não se contentam em apenas cantar: ele pensa, escreve e educa. É membro-fundador e atual presidente da ACIL, Academia Itaperunense de Letras, onde cultiva o amor à palavra e à cultura regional.

Mãos que moldam a canção

Em “Mãos Domadas”, uma de suas composições mais belas, Válber traduz em versos a força do trabalho e a ternura do amor:

Primeiro vieram as chuvas

Ventanias e trovões

E pra me resguardar

Fiz minha habitação

E com boa vontade

Trabalharam minhas mãos


Enquanto a chuva caía

Recortei o solo-mãe

Semeie a boa terra

Da semente fiz o pão

E pelos campos e serras

Desbravaram minhas mãos


Encilhei o meu cavalo

Fiz porteira, fiz mourão

Cerquei a terra boa

Fiz dela meu rincão

E com a santa garoa

O formei de grão em grão


Fiz tudo com tanto amor

Mas faltava um bem-me-quer

Abri meu coração

Fiz entrada pra mulher

Que cheia de paixão

Quis morar no meu sapé


As mãos que brotaram a terra

E fizeram a minha morada

Do trabalho estão calejadas

E de amor foram moldadas

Que passeando pela amada


Por ela, foram domadas

 “As mãos que brotaram a terra

E fizeram a minha morada,

Do trabalho estão calejadas

E de amor foram moldadas...”

A simplicidade da vida rural se encontra com a profundidade lírica da alma humana. A terra, o amor, o labor e a fé se entrelaçam como se a canção brotasse do chão.

A música de Válber tem essa qualidade rara: a de soar antiga e nova ao mesmo tempo, como se viesse de um Brasil atemporal, onde a natureza ainda conversa com o homem e o silêncio ainda ensina.

O artista e o sistema

Se é verdade que Chico, Caetano e Gil desafiaram o poder político de seu tempo, Válber desafia outro tipo de poder: o econômico, o da indústria fonográfica que massifica o gosto e transforma arte em mercadoria.

Enquanto a grande mídia se rende às fórmulas fáceis e refrões descartáveis, Válber segue seu caminho independente, fiel à essência da Música Popular Brasileira, a que fala com poesia, ética e emoção.

Talvez por isso ainda não esteja nas paradas de sucesso. Mas seu reconhecimento cresce entre aqueles que não se deixam seduzir pela banalidade. Em suas canções, a beleza é resistência.

Farol e raiz

Válber Meireles é farol em meio à escuridão sonora. Sua luz não é de neon, mas de lamparina, a que ilumina devagar, revelando o que há de humano nas canções.

É a força da raiz, do coração e da terra. É o som que brota dos campos e dos quintais, mas que ecoa longe, porque fala de nós, brasileiros de ontem, de hoje e de sempre.

Na música de Válber, a MPB reencontra o que tem de mais puro: a alma.

E, como todo verdadeiro artista, ele não segue o tempo.

Ele cria o seu próprio compasso.













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