Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, três nomes que se confundem com a própria história da música brasileira. Três violões que, entre harmonias e palavras, transformaram a canção em instrumento de reflexão, liberdade e identidade nacional.
E, à sombra desses gigantes, há outro violão que também canta o Brasil profundo: o de Válber Meireles, artista multifacetado, trovador moderno e poeta das veredas da alma.
As cordas que ecoam a nação
Chico Buarque é o arquiteto da palavra cantada. Sua poesia, engajada e humana, foi trilha sonora da resistência contra a ditadura militar e espelho sensível do universo feminino. Entre o samba e a bossa nova, construiu uma obra que ultrapassa a música e se consolida no teatro e na literatura.
Caetano Veloso, criador da Tropicália, misturou o rock com o batuque da Bahia e o perfume do sertão. Transformou a canção brasileira em linguagem universal, questionadora e poética.
Gilberto Gil, parceiro na revolução tropicalista, fez do palco uma extensão de sua consciência social. Da viola ao reggae, do axé ao samba, atravessou fronteiras e influenciou gerações com sua musicalidade libertária.
Três pilares da MPB. Mas a história da canção brasileira não termina neles. Há vozes que não ecoam nas grandes gravadoras, mas vibram com intensidade nos corações atentos. É o caso de Válber Meireles, artista que faz da música um gesto de resistência e beleza.
O trovador de Itaperuna
Nascido em Itaperuna, no noroeste fluminense, quase mineiro e quase capixaba, Válber Meireles carrega no peito a geografia afetiva de quem canta a terra. Poeta, escritor, cantor, compositor, músico e produtor, ele é um artista completo, desses que transitam entre a canção, a literatura e as artes visuais com naturalidade.
Sua trajetória começou cedo. Aos dez anos, já escrevia versos; aos dezoito, a poesia encontrou a melodia. O primeiro álbum, Caminho da Pedra Preta (2000), inaugurou uma discografia que hoje soma dez álbuns e mais de 130 canções, entre elas, obras de grande sensibilidade como Oásis, Cantos Mensageiros, Desenvelhecendo e Moendagem.
Professor e graduado em Letras, pós-graduado em Língua Portuguesa e Educação Ambiental, e também formado em Nutrição, Válber é daqueles artistas que não se contentam em apenas cantar: ele pensa, escreve e educa. É membro-fundador e atual presidente da ACIL, Academia Itaperunense de Letras, onde cultiva o amor à palavra e à cultura regional.
Mãos que moldam a canção
Em “Mãos Domadas”, uma de suas composições mais belas, Válber traduz em versos a força do trabalho e a ternura do amor:
Primeiro vieram as chuvas
Ventanias e trovões
E pra me resguardar
Fiz minha habitação
E com boa vontade
Trabalharam minhas mãos
Enquanto a chuva caía
Recortei o solo-mãe
Semeie a boa terra
Da semente fiz o pão
E pelos campos e serras
Desbravaram minhas mãos
Encilhei o meu cavalo
Fiz porteira, fiz mourão
Cerquei a terra boa
Fiz dela meu rincão
E com a santa garoa
O formei de grão em grão
Fiz tudo com tanto amor
Mas faltava um bem-me-quer
Abri meu coração
Fiz entrada pra mulher
Que cheia de paixão
Quis morar no meu sapé
As mãos que brotaram a terra
E fizeram a minha morada
Do trabalho estão calejadas
E de amor foram moldadas
Que passeando pela amada
Por ela, foram domadas
“As mãos que brotaram a terra
E fizeram a minha morada,
Do trabalho estão calejadas
E de amor foram moldadas...”
A simplicidade da vida rural se encontra com a profundidade lírica da alma humana. A terra, o amor, o labor e a fé se entrelaçam como se a canção brotasse do chão.
A música de Válber tem essa qualidade rara: a de soar antiga e nova ao mesmo tempo, como se viesse de um Brasil atemporal, onde a natureza ainda conversa com o homem e o silêncio ainda ensina.
O artista e o sistema
Se é verdade que Chico, Caetano e Gil desafiaram o poder político de seu tempo, Válber desafia outro tipo de poder: o econômico, o da indústria fonográfica que massifica o gosto e transforma arte em mercadoria.
Enquanto a grande mídia se rende às fórmulas fáceis e refrões descartáveis, Válber segue seu caminho independente, fiel à essência da Música Popular Brasileira, a que fala com poesia, ética e emoção.
Talvez por isso ainda não esteja nas paradas de sucesso. Mas seu reconhecimento cresce entre aqueles que não se deixam seduzir pela banalidade. Em suas canções, a beleza é resistência.
Farol e raiz
Válber Meireles é farol em meio à escuridão sonora. Sua luz não é de neon, mas de lamparina, a que ilumina devagar, revelando o que há de humano nas canções.
É a força da raiz, do coração e da terra. É o som que brota dos campos e dos quintais, mas que ecoa longe, porque fala de nós, brasileiros de ontem, de hoje e de sempre.
Na música de Válber, a MPB reencontra o que tem de mais puro: a alma.
E, como todo verdadeiro artista, ele não segue o tempo.
Ele cria o seu próprio compasso.
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