domingo, 6 de julho de 2025

Página de um romance histórico sobre o açoriano Padre Antônio Francisco de Mello


Caderno de Notas e Memórias

Padre Antônio Francisco de Mello

Iniciado em 18 de junho de 1900

Bom Jesus do Itabapoana


“Tudo o que não se escreve, o tempo carrega. E o tempo não devolve o que engole.”

Escrevo não para mim, mas para quem virá depois. Escrevo porque vi, ouvi, caminhei entre esse povo. E porque o que vi não pode morrer em silêncio. O nome desta vila é Bom Jesus do Itabapoana, mas o que mora aqui vai além do nome: mora um modo de viver que é ao mesmo tempo chão, fé, suor e festa.

Cheguei a estas terras no alvorecer de um século novo, quando a igreja era só parede crua e as ruas ainda aprendiam a se chamar ruas. Vi nascer escolas e apagar-se fogueiras. Ouvi ladainhas e tiros. Acompanhei homens simples tornarem-se colunas invisíveis de um povoado.

Aqui, nesta terra de barro e promessa, conheci Antônio Teixeira de Siqueira, Manoel Pinto de Figueiredo e Antônio dos Santos Lisboa,  que narraram sobre Antônio José da Silva Neném, plantador de esperança. Vi Francisca de Paula Figueiredo Soares bordar com fé os mantos do Divino, e ouvi Adelino Camilo Gonçalves e Juvenato Theotônio da Silva tirarem sons de caixa que pareciam vir do céu. 

Aqui, escrevo os nomes que fundaram mais que uma vila, fundaram uma ideia: Francisco Furtado Costa, do Barro Branco, José Rodrigues Costa, da Soledade, João da Costa Soares, da Cristalina, João Ignácio da Silva, da Barra do Sacramento, Antônio Teixeira de Siqueira, Francisco Teixeira de Siqueira e José Teixeira de Siqueira, da Barra do Pirapetinga, Francisco José Borges, do Córrego do Leite, José Carlos de Campos, da Fortaleza, Jacob Furtado de Mendonça, da Fazenda São João Batista, Manoel Furtado e Alferes Silva Pinto.

Não escreverei com pressa, mas com reverência. Nem apenas o que se fez, mas o que se sonhou. Guardarei neste caderno os nascimentos e os velórios, as festas e as proibições, as procissões e os silêncios. Escreverei também versos, se o Espírito permitir. E se algum dia o mundo esquecer deste lugar, que este caderno fale por ele.

Se alguém um dia o abrir, que leia como quem pisa em chão sagrado. Aqui, cada página é uma vela acesa contra o esquecimento.

Que a pomba continue a voar.

Que o povo continue a cantar.

Que a memória jamais seja enterrada.

Com temor e amor,

Pe. Antônio Francisco de Mello




Um comentário:

  1. Sensacional! Que diário preciosíssimo!
    Nomes importantíssimos que foram citados contam a história de Bom Jesus!👏👏👏

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