As Raízes Açorianas de Getúlio Vargas
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| Getúlio Vargas com seu filho Getúlio Dornelles Vargas Filho, conhecido como Getulinho, que esteve em Bom Jesus do Itabapoana em 1940, segurando a criança |
Foi o açoriano Francisco Amaro Borba Gonçalves, colaborador do jornal O Norte Fluminense, quem lançou luz sobre um elo esquecido na biografia de Getúlio Vargas: suas raízes açorianas.
A mãe de Getúlio, Cândida Francisca Dornelles, era filha de Serafim Dornelles e Umbelina Dornelles. A família Dornelles era tradicional e descendente de imigrantes dos Açores.
Por outro lado, o sobrenome Vargas, vindo da família de seu pai, Manuel do Nascimento Vargas, também tem origem em antepassados açorianos que imigraram para o Brasil. Um dos primeiros ancestrais da família Vargas no país, Antônio de Vargas, nasceu na ilha do Faial, Açores, em 1737, e emigrou para o Rio Grande do Sul, onde se casou e deixou numerosa descendência.
A migração de açorianos para o Rio Grande do Sul, estado onde Getúlio nasceu, foi um fenômeno marcante no século XVIII. Esses imigrantes compuseram grande parte da população local, e sua cultura deixou marcas profundas na identidade gaúcha.
De um arquipélago moldado por ventos e mares vieram os antepassados que, com fé e coragem, ajudaram a semear nas terras do sul do Brasil um modo de ser que unia devoção, trabalho e senso de comunidade. Desses valores nasceria, muitas décadas depois, um homem que marcaria a história do país.
Getúlio Dornelles Vargas, nascido em São Borja, em 19 de abril de 1882, e morto no Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 1954, foi militar, advogado e político. Presidiu o Brasil em dois períodos decisivos: de 1930 a 1945, na chamada Era Vargas, e novamente de 1951 até seu trágico desfecho em 1954.
Entre o poder e o povo, entre a austeridade e o afeto, escreveu um dos capítulos mais intensos da história nacional.
Seu legado é vasto e controverso. Fundou a Companhia Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio Doce, a Petrobras e a Eletrobras, pilares da industrialização que transformaria o Brasil rural em uma nação moderna. Criou também o IBGE e o IPHAN, instituições que moldaram a consciência do território e da memória nacional.
Mas, além do estadista, havia o homem. E nesse homem palpitava a herança dos Açores, silenciosa, mas viva, guiando sua conduta, seu senso de dever e sua relação quase paternal com o povo.
1. A Família como Porto Seguro
Desde menino, Getúlio aprendeu que a família é o primeiro e o último abrigo, lição típica das casas açorianas, onde o lar era fortaleza moral e escola de valores.
Cândida Dornelles e Manuel Vargas ensinaram-lhe o respeito à autoridade e à tradição, a disciplina e a palavra empenhada. Mesmo presidente, manteve o costume de buscar o conselho dos irmãos e o afeto dos filhos.
Nos tempos de poder, recordava a simplicidade da infância, como se as vozes do lar ainda ecoassem no Palácio do Catete.
2. O Espírito Comunitário
A alma açoriana é coletiva. Nas festas do Divino, nos mutirões de colheita, nas orações partilhadas, o “nós” sempre falou mais alto que o “eu”.
Essa mentalidade moldou o estadista. Getúlio criou a Consolidação das Leis do Trabalho, o salário mínimo e a Justiça do Trabalho não apenas como políticas, mas como um pacto de solidariedade entre Estado e povo.
Era a velha ética das ilhas: ninguém prospera sozinho.
3. A Fé que Move Montanhas
Nos Açores, a religiosidade é o fio que costura o cotidiano. Getúlio herdou essa fé contida, quase introspectiva, mas firme.
Em seus discursos, evocava Deus, a Nação e o Povo como uma trindade cívica.
Via na moral cristã um eixo de equilíbrio, não apenas para o homem, mas para a nação.
Sua crença não se traduzia em dogmas, mas em uma ética espiritual herdada de gerações que viram no sagrado um norte diante das tormentas.
4. A Terra como Raiz
Filho do interior gaúcho, Getúlio jamais se desligou da terra que o viu nascer.
Em São Borja, entre o cheiro de erva-mate e o vento do pampa, encontrava refúgio e sentido. Retornava sempre que podia ao sítio do Itu, onde o poder dava lugar ao silêncio e à memória.
Era o açoriano reencontrando o chão, o mesmo apego que moveu seus antepassados a cultivar a terra, mesmo quando o mar ainda lhes chamava de volta.
5. O Patriarca e o Povo
A liderança de Vargas tinha algo de paternal, não o pai autoritário, mas o protetor que vela pelos seus.
O título “Pai dos Pobres”, que o acompanhou durante o Estado Novo, nasceu desse sentimento mútuo de dependência e cuidado.
Na sua figura, muitos brasileiros enxergavam o chefe da grande família nacional, herança direta da cultura açoriana, onde a autoridade é também afeto e responsabilidade.
6. Raízes no Atlântico
Mais do que traços biográficos, os gestos e escolhas de Getúlio Vargas revelam uma herança cultural profunda.
Religiosidade, apego à terra, amor à família, senso de justiça e espírito comunitário, valores vindos das ilhas de pedra e vento que se perderam no tempo, mas deixaram marcas no destino de um país continental.
A herança açoriana, discreta e persistente, atravessou oceanos e séculos para se manifestar no homem que buscou unir o Brasil moderno à alma de seu povo.
Seu filho, Getúlio Vargas Filho, esteve em Bom Jesus do Itabapoana em junho de 1940, onde foi recebido festivamente no Palacete do Malvino Rangel por outro açordescendente: o prefeito José de Oliveira Borges.
Assim, a história se entrelaça, pois Bom Jesus do Itabapoana também tem suas origens formadas por açordescendentes.
Getúlio, o gaúcho de São Borja, foi também, de certo modo, um açoriano, moldado pelas ondas, pela fé e pelo desejo de fazer da pátria uma casa comum.
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| O açordescendente Getúlio Vargas Filho esteve em Bom Jesus do Itabapoana em junho 1940, onde foi recebido por outro açordescendente, José de Oliveira Borges, prefeito municipal: a casa comum. |
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| Getúlio Vargas Filho foi recebido festivamente no Palacete do Malvino Rangel, em Bom Jesus do Itabapoana |



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