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| Aparecido Raimundo de Souza |
FUI BUSCAR MEUS AVÓS na rodoviária e, quando chegamos na portaria do prédio onde eu morava com minha família, ao procurar pelas chaves (havia esquecido principalmente a da entrada do edifício), toquei o interfone.
Na primeira e segunda vez, ninguém deu sinal de vida. Insisti e, finalmente, na sexta vez, a Francisca, nossa empregada, atendeu, afobada:
— Quem é?
— Abre, Francisca.
— Quem é?
— Eu...
— Eu quem?
— Troncoso
— Ok. Abriu?
— Não...
— Abriu?
— Não...
— E agora?
— Abriu.
Neste interregno, entre o chato indigesto e causticante do abre e o não abre do mecanismo ao ser acionado, meu avô Serafim (lá do interiorzão de Andirá, no Paraná), exumou da sua cabeça branca um velho ensebado e surrado chapéu de palha, se virou para minha avó Lucinda e observou, muito sério:
— Tá vendo, amor? Vê se pode! Nosso neto pensa que somos besta. Espia! Está falando com a parede.
Nota do autor: Aparecido Raimundo de Souza, 72 anos, é simplesmente um cronista. Natural de Andirá, no Paraná. Escreve desde os 13 anos. Tem em torno de 4 mil textos. Reside atualmente em Vila Velha, no Espírito Santo.
Nota de O Norte Fluminense: Nosso jornal passa a publicar, com satisfação serena, as crônicas de Aparecido Raimundo de Souza, após seu contato por e-mail. Aparecido aprendeu desde cedo a ouvir o murmúrio das palavras. Seus textos guardam um fragmento de mundo e lapidam histórias como quem acende pequenas brasas de encanto.
O jornal agradece sua distinção de colaborar com sua escrita. Suas crônicas, intensas e artesanais, têm o dom de despertar o leitor, não apenas para o prazer da leitura, mas para o desejo de também escrever. Há nelas uma genialidade sutil na forma como articula frases e diálogos, abrindo portas para que cada leitor se reconheça dentro do cenário. Seja bem-vindo, Aparecido!

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