terça-feira, 11 de novembro de 2025

SE EU CONTAR, NINGUÉM ACREDITA


Aparecido Raimundo de Souza

FUI BUSCAR MEUS AVÓS na rodoviária e, quando chegamos na portaria do prédio onde eu morava com minha família, ao procurar pelas chaves (havia esquecido principalmente a da entrada do edifício), toquei o interfone.  

Na primeira e segunda vez, ninguém deu sinal de vida. Insisti e, finalmente, na sexta vez, a Francisca, nossa empregada, atendeu, afobada:  

— Quem é?  

— Abre, Francisca.  

— Quem é?  

— Eu...  

— Eu quem?  

— Troncoso  

— Ok. Abriu?  

— Não...  

— Abriu?  

— Não...  

— E agora?  

— Abriu.  

Neste interregno, entre o chato indigesto e causticante do abre e o não abre do mecanismo ao ser acionado, meu avô Serafim (lá do interiorzão de Andirá, no Paraná), exumou da sua cabeça branca um velho ensebado e surrado chapéu de palha, se virou para minha avó Lucinda e observou, muito sério:  

— Tá vendo, amor? Vê se pode! Nosso neto pensa que somos besta. Espia! Está falando com a parede.


Nota do autor: Aparecido Raimundo de Souza, 72 anos, é simplesmente um cronista. Natural de Andirá, no Paraná. Escreve desde os 13 anos. Tem em torno de 4 mil textos. Reside atualmente em Vila Velha, no Espírito Santo

Nota de O Norte Fluminense: Nosso jornal passa a publicar, com satisfação serena, as crônicas de Aparecido Raimundo de Souza, após seu contato por e-mail. Aparecido aprendeu desde cedo a ouvir o murmúrio das palavras. Seus textos guardam um fragmento de mundo e lapidam histórias como quem acende pequenas brasas de encanto. 

O jornal agradece sua distinção de colaborar com sua escrita. Suas crônicas, intensas e artesanais, têm o dom de despertar o leitor, não apenas para o prazer da leitura, mas para o desejo de também escrever. Há nelas uma genialidade sutil na forma como articula frases e diálogos, abrindo portas para que cada leitor se reconheça dentro do cenário. Seja bem-vindo, Aparecido!

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