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| Gino, Lauro, Balbino e o livro |
O Farol de Balbino
Foi em um encontro casual, à noite, na padaria DN, que Balbino Miguel Nunes, proprietário do Antiquário São Miguel, o homem que coleciona histórias, se achou à mesa com dois homens: um da medicina, Lauro, e outro das leis, Gino. Ambos dedicam-se a escrever textos, geralmente de cunho histórico, e partilham o interesse por antiquários.
À mesa, um observador silencioso: um exemplar de Os Imortais da Literatura Universal. O livro, de capa gasta e alma viva, trazido por Lauro, teria pertencido ao setor de psiquiatria da antiga Clínica de Repouso de Bom Jesus.
Entre seus autores, Dostoievski deixara duas frases marcantes:
“Posso testemunhar que, no ambiente mais ignorante e mesquinho, encontrei sinais incontestáveis de uma espiritualidade extremamente rica.”
E outra, sublinhada com caneta azul, revelando sua importância para o leitor profissional da época:
“O segredo da existência humana consiste não somente em viver, mas ainda em encontrar um motivo para viver.”
Balbino conduzia, espontâneo, a conversa. Suas histórias, saborosas, cheias de cor e alma, falavam das aquisições e vendas de peças raras, de causos que pareciam ter saído de um romance antigo, como a disputa entre clientes para ter preferência sobre móveis e outras relíquias.
Lauro comentou que certa vez fora ao antiquário de Balbino, em São Pedro do Itabapoana, e adquirira antigos frascos de farmácia. Gino, por sua vez, lembrou-se de um belo chapeleiro, adquirido no antiquário, proveniente de uma fazenda da região.
Falando sobre móveis oriundos das antigas fazendas, Balbino recordou os da Fazenda das Areias, em Pirapetinga, terra natal de Lauro. Essa lembrança abriu um verdadeiro baú de histórias: a fazenda, nomeada em razão de seu proprietário, Chichico das Areias, fora testemunha de uma época áurea do café.
Recordou-se que Chichico travara uma disputa judicial com Boanerges Borges da Silveira pela Fazenda São Tomé, localizada em Calheiros. Chichico saiu vitorioso, e Boanerges mudou-se para Bom Jesus. Mais tarde, seus filhos, Roberto e Badger, estudaram em Niterói e se destacaram como líderes políticos e governadores.
Refletiu-se, então, sobre como, em certos períodos, fatos intensos germinam pessoas e histórias que florescem mais tarde.
Balbino retomou a palavra, explicando que há clientes assíduos e outros que não apenas compram móveis e relíquias, mas o convidam a dispor os objetos em fazendas e casarões, como se o seu olhar, mais do que decorar, restaurasse o tempo; como se fosse um maestro que harmoniza o passado e o presente.
Entrevistado pela prestigiada Folha de S.Paulo e por A Gazeta do Espírito Santo, Balbino encerrara ambas as conversas com a mesma declaração, dita com emoção:
“Nasci em São Pedro do Itabapoana, ES; moro em São Pedro do Itabapoana; amo São Pedro do Itabapoana; mas não vivo espiritualmente em São Pedro do Itabapoana.”
Indagado sobre o motivo, explicou:
“Em meu ofício, naturalmente vou ampliando meus conhecimentos com informações históricas que, muitas vezes, não interessam a outros moradores de São Pedro, cuja população é pequena. Hoje, literalmente, fixei residência em outro endereço: Apiacá.”
Mais tarde, a conversa desviou-se para a diferença entre os móveis Chippendale e Luís XV. Balbino, com a autoridade de quem reconhece com o olhar e com o tato, esclareceu:
“Os móveis Luís XV são superiores aos Chippendale. Estes tentam imitá-los.”
O tempo passou. Lauro precisou retirar-se, seguido por Balbino. A conversa sobre memórias e história se findou. E Balbino, desde o altar de sua humildade, e do livro de histórias que traz dentro de si, partiu como um farol que se afasta, mas deixa luzes perenes nos corações do homem da medicina e do homem das leis.
Caberia, talvez, mais um capítulo em Os Imortais da Literatura Universal, que também se despediu da mesa.
Balbino retornou ao seu antiquário, onde recebe a todos como se estivesse em uma padaria à moda da DN: com café perfumado, mas qualificado com um delicioso suco de cupuaçu, entre boas conversas e lembranças. O ambiente evoca os tempos das reuniões em família, quando o tempo parecia caminhar mais devagar.
O Antiquário São Miguel é mais que padaria ou comércio: é memória, história, encanto e afeto.
Balbino não possui curso superior formal, mas tem o curso superior da vida, e isso o torna um gigante.
Fez-se grande por si mesmo e continua a engrandecer a sociedade com seu trabalho, sua presença humana, sua humildade e as lições herdadas dos antepassados.
Balbino é farol.
E faz do Antiquário São Miguel um farol de conhecimento, de memória e de encanto multiplicado para o mundo.

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