Ana Maria Silveira |
Nessa ocasião,
Boanerges Borges da Silveira residia no centro do município de Bom Jesus do
Itabapoana. Encontrava-se do lado de dentro da sua residência, junto à janela,
calado, aparentemente sem reação diante das ofensas verbais que um mau cidadão
do lado de fora, na rua, lhe dirigia, resultado de uma intriga feita por pessoa
de má-fé. Seu filho Badger, ouvindo a gritaria, foi até à sala e pôde ouvir os
insultos dirigidos ao seu pai.
Badger entrou como um relâmpago e voltou, com uma garrucha armada,
gritando mais alto que o agressor:
-Você vai ver quem é
vaca malhada!
Boanerges, tranquilamente,
afastou Badger:
- Não faça isso, meu filho! Você estragou
tudo! Estava esperando que ele estivesse ao meu alcance. Então lhe acertaria
este ovo na cara! Ficaria desmoralizado!
Quando esta história me foi contada eu tinha 15 anos, a idade
de meu pai nessa época.
Do mesmo modo fiquei injuriada
com ofensas dirigidas a ele, então governador, por um jornalista seu conhecido
desde a época de estudantes, que da noite para o dia passou a publicar no seu conceituado
jornal notícias falsas, inaceitáveis. Essas ofensas continuaram, mesmo tendo
Badger dito ao jornalista:
- Você que me conhece,
sabe que sou um homem honesto, por que publica
essas inverdades?
Hoje sabemos que, em 1964, instituições nacionais e estadunidenses -muito bem
descritas no livro “1964 A CONQUISTA DO ESTADO” de René Armand Dreiffuss – incentivavam
ou induziam alguns maus políticos e jornalistas para que denegrissem os
governos eleitos democraticamente pelo povo, principalmente os aliados do
Presidente João Goulart, distorcendo a realidade no preparo do golpe civil-militar.
Havia jornais por si só desacreditados, como “A Luta
Democrática” e a “Tribuna da Imprensa”. Destes tudo se esperava. Mas a virada
brusca e caluniosa do principal jornal de Niterói contra a atuação política
séria de Badger nos foi decepcionante. Esse caluniador nunca teve ideia da
dimensão da amargura que nos trouxe.
Badger sempre nos falava da grandeza humanitária de
Boanerges, da sabedoria imensa que tinha em viver feliz, amando e respeitando sinceramente todos ao seu
redor, sempre lutando pela igualdade social.
Muitos anos mais
tarde, estávamos em um casamento, numa igreja Católica, quando se aproximou um
senhor muito formal e veio falar com meu pai. Minha mãe, percebendo quem era,
afastou-se.
Fiquei atenta na conversa dos dois, que por se encontrarem em
uma cerimônia, falavam muito baixo. Consegui ouvir:
-Badger, você me
compreende, eu estava com dificuldades.
-Tudo bem, não precisa se justificar, não guardo mágoa de ninguém.
E em tom de brincadeira perguntou:
-Mas você não
acreditava nas coisas horríveis que publicou contra mim. Ou acreditava?
-Claro que não, Badger!
-Ah! Então está tudo
certo. Com o tempo as verdades aparecem!
E apareceram. Sentimos
orgulho em dizer que Badger, após deposto pelo golpe de 64, foi submetido a três
inquéritos policiais militares. Teve sua
vida pública e privada investigadas minuciosamente sem que absolutamente nada o
desabonasse. Foi o único ex-governador não exonerado, pois não conseguiram nem uma
única prova contra a idoneidade do seu mandato.
Falo sempre aos meus
filhos, sobrinhos e neta da grandeza humanitária de Badger, da sabedoria imensa que
tinha em viver feliz, amando e respeitando sinceramente todos ao seu redor, sempre
lutando pela igualdade social, como meu avô Boanerges. Eles tinham o dom natural de saber perdoar. Para
mim, o gesto mais difícil e emblemático do cristianismo.
Ana Maria Silveira é filha do ex-governador Badger Silveira
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