quinta-feira, 6 de outubro de 2022

SALAAM ALEIKUM!

 Que a paz esteja entre vós!


Reginaldo Teixeira Chalhoub 



Fiquei muito feliz em ser premiado para dizer aqui algumas palavras a propósito desta bonita, delicada e gentil reunião.

Para me desincumbir satisfatoriamente dessa honrosa tarefa, meu primeiro impulso foi fazê-lo de improviso. -Mas aí, pensei: de improviso?

Quando ficamos idosos, nós, os coroas, pensamos que já vimos tudo, que já sabemos de tudo. Lá, pelas tantas, porém, notamos que a cabeça começa a nos pregar peças, a ratear, falhar, a nós fazer esquecer coisas.

Em muitas ocasiões, nos faz até passar vergonha! Com inevitáveis gaguejos e tropeços, principalmente quando a ocasião faz juntar a idade com a emoção.

Como agora: um momento de muita emoção, pois irá nos remeter à "infância querida, que os anos não trazem mais", como no lamento dos versos de Casimiro de Abreu. - E que vai também revirar o baú das minhas lembranças!

Então, gente, o meu improviso aí vai: por escrito. Não estou inovando não! Já vi outros fazerem o mesmo.

Das muitas lembranças dos tempos de criança, não tenho certeza de que, vez por outra, ainda brota no íntimo de cada um o "sentir" daquelas ternas e doces mãos que acariciavam, aconchegavam, protegiam, consolavam e abençoavam. E que, por sua vez, também aplicavam doídas e merecidas palmadas. - Eram as mãos da mamãe. Amadas, benditas, sacrossantas mãos da mamãe!

Hoje, vamos mexer com emoções diferentes. As mãos de que lembraremos são aquelas mãos trabalhadeiras, que punham de molho, amassavam, moíam e tornavam a amassar, misturando o trigo e a carne moída, para fazer nascer aquele delicioso quibe de domingo, que amávamos. E que ainda nos encanta e apetece. -Pois é, dessas mãos também brotavam muitas e muitas outras gostosuras!

Lembranças minhas: quanta saudade da tia Tepte, tia Gandura, tia Nabiha e tia Alzira. Eram delas as mãos que em todos os domingos, dias santos ou feriados, não se cansavam  de me dar um "capitão" de quibe cru e enxotar-me da cozinha com um "vai para a casa moleque!", advertência que só me fazia dar uma volta e retornar, dali a pouco.

Eram as bravas libanesas, maioria de jovens modestas, que vieram trazidas pela beleza do amor aos seus maridos, noivos ou mesmo namorados, na então assustadora aventura de buscar novas terras, para viverem em paz e serem felizes.

Tudo começou com o nosso imperador Dom Pedro II, que, em 1876, visitou o Líbano e se encantou com aquele pequeno país, de montanhas nevadas, um lindo litoral com belas baías e praias, além de abundantes e cheirosas florestas de cedro, a árvore símbolo do país - que está lá, em sua bandeira, no seu pavilhão nacional.

Dom Pedro II, homem de uma cultura invulgar, percorreu toda aquela terra, conhecendo lugares e relíquias históricas. Curiosamente, foi durante essa viagem que ele ficou sabendo que a palavra "Líbano" se origina de uma língua bem antiga, o semítico, e que significa "branco", certamente devido à neve que cobre as velhas montanhas daquela terra.

Impressionado com o país, o esplendor de seu passado e a cultura e dinamismo do seu povo, Dom Pedro II sonhou trazer libaneses para o Brasil, a fim de ajudar no desenvolvimento e no progresso de sua pátria. Não hesitou em exortá-los a virem para o novo país, que muito tinha a oferecer.

Motivados e encorajados pelo próprio Imperador do Brasil, eles começaram a vir. Nos primeiros anos, a emigração foi tímida. Poucos se atreveram. Depois, submetidos aos mais tratos da dominação turco-otomana, e, também, fugindo do desespero da fome e da miséria, consequências terríveis da 1a. Guerra Mundial e da gripe espanhola, muitos libaneses engrossaram os continentes daqueles que emigravam para a América, grande parte para o Brasil.

Em nosso país, foram recebidos como "turcos", porque o único documento que portavam era o passaporte emitido pelo governo turco, do qual também fugiam. Acolhidos e bem tratados aqui no Brasil, os libaneses só reclamavam quando eram chamados de "turcos", o que para eles era uma terrível ofensa. Até hoje!

A imigração trouxe para Bom Jesus muitos desses heróicos cidadãos, que, de imediato, se integraram à nossa gente e aos nossos costumes, passando logo a fazer parte do nosso povo, formando a feliz sociedade que hoje desfrutamos.

A eles nossa terra deve muito. Cada libanês tem sua história em Bom Jesus. Impossível contá-las. - Entretanto, posso abrir exceção para destacar as pessoas dos irmãos Merhige Hanna Saad e seu irmão Karim João, o "seu' Quirino, fortes comerciantes de café, na época áurea da produção cafeeira nesta região. Foi esse mesmo senhor Merhige, que construiu o Edifício Monte Líbano, na época denominado "Cine Teatro Monte Líbano ", que hoje figura na internet como um exemplo das raízes criadas pelos libaneses em terras brasileiras.

É de se destacar ainda a respeitável figura de José Mansur, homem merecedor do maior respeito de todos os que o conheceram. Sua Casa Mansur foi das mais conhecidas e importantes casas comerciais da região, e o "seu" Zé Mansur era um digno credor do respeito e da confiança de toda a população; inclusive de fazendeiros e sitiantes das redondezas, que, além de fregueses fiéis de sua loja, tinham nele o depositário fiel, o homem que guardava e protegia o dinheiro das vendas de café ou do gado de suas propriedades; ou de outro negócio qualquer. O senhor José Mansur era o seu "banco" particular.

É importante ressaltar que José Mansur foi um baluarte na luta pela permanência em nossa cidade do Banco do Brasil. Foram muitas as dificuldades superadas para que a agência do Banco não fosse transferida para a vizinha Bom Jesus do Norte, tendo José Mansur participado ativamente de todas as negociações nesse sentido.

Somos orgulhosos descendentes dessa gente forte, amiga, trabalhadora, honesta e de uma brasilidade incomum. Gente que para aqui veio absolutamente sem nada, mas que confiou no Brasil, lutou, suou, sofreu e venceu, graças à sua fé, à sua pertinácia e ao seu árduo e honrado trabalho.

Muitos dos que aqui estão são orgulhosos descendentes desses homens de têmpera forte e caráter nobre, como os respeitáveis e já falados José Mansur, o Merhige Hanna Saad e seus irmãos Karim João (Quirino) e Salim Saad (Salim Antônio), o Adib (Mansur) Hobaica e seus irmãos Mansur e Jorge, o Elias Nacif, o José Eid, o Elias Chalhoub e seu irmão Namen, o Salim Elias, o Daud Jorge Abib e seu irmão Elias, o Pedro Wakin, o Nagib, o Miguel Feres e seu irmão Rachid, o Nametala e seu irmão Antônio, o Jabour, o Naim, o Alexandre José Assad e seu irmão Liece, o Abdo Eid Nassar, o José Assad, o inesquecível Lé, Tebte Cury, Miguel Fadel, Felipe Luis, Salomão Paulo e Cesar Fenício, todos infelizmente já falecidos.

Não, não! Eu não posso e não devo esquecer as figuras das doces criaturas, das abnegadas e felizes esposas desses saudosos libaneses, ... cuja maioria, entretanto, Papai do Céu também entendeu de levar.

Pois bem, meus pacientes amigos, este sarau, esta agradável reunião, foi idealizada e está sendo carinhosamente realizada por queridos bonjesuenses que não são descendentes de libaneses.

Isso é mais uma prova da excelente integração do povo líbanês ao povo brasileiro e da mistura benfazeja que hoje faz de nós um só povo, uma só gente, uma gente feliz. Eis aí uma grande influência! Um conjunto delas, aliás.

Entretanto, entendo que a maior influência, a mais expressiva, a mais significativa e a mais benéfica das influências aqui deixadas pelo valoroso povo líbanês somos nós, os descendentes - nós, que deles ficamos como homens e mulheres dignos, honestos e trabalhadores, exatamente como sonharam para seus filhos.

Pessoas que, graças ao trabalho, ao esforço, ao sangue e às lágrimas de seus pais, destacaram-se na sociedade onde vivem, seja por galgarem postos de relevância, pelo sucesso profissional ou simplesmente por haverem, de alguma maneira, contribuído para o bem estar de sua comunidade ou para a felicidade dos seus semelhantes.

Gente que, orgulhosa de sua origem, da tradição e do sangue de seus antepassados, trabalha e honra a terra em que nasceu. - A "terra de hospitalidade", tão cantada nos versos de Salim Darwich Tannus, este sim, um ilustre e destacado bonjesuense, de sangue libanês, que sempre se mostrou orgulhoso da terra que escolheu, a querida Bom Jesus, que adotou seu canto como o hino da cidade.

Chega, falei demais! Quero encerrar esta fastidiosa lenga-lenga com alguns versos, pinçados de trabalho alheio, de quem, não lembro, apenas para colorir um pouco a vinda para cá dos nossos irmãos libaneses. 

"Vieram jovens para jovens terras,/ dos velhos montes para o novo chão./ Olhos brilhando, brilho de esperança/ e um velho cedro em cada coração./ Vieram co' a esperança do convite/ com a epopéia da imigração.

Vieram jovens das terras antigas/ onde a neve eterna o desafia./ E trabalharam desde cedo cada aurora/ até o cansaço ao fim de cada dia.

Plantaram frutos na terra bendita,/ deram seus filhos como gratidão./ São brasileiros, com brilho nos olhos/ e um velho cedro em cada coração."


Reginaldo Teixeira Chalhoub e a esposa Vera Lúcia Soldati Chalhoub 





Dra Elaine Borges e Luís Otávio Barreto 

Diego Meloni, pianista

Luis Otávio Barreto, pianista




Adilson Figueiredo, o proprietário do Espaço Cultural Cafézin 

Luis Otávio Barreto

Dra Elaine Borges, historiadora

Adilson Figueiredo 







Nota da Redação: o Sarau Libanês foi realizado no Espaço Cultural Cafézin, de propriedade de Adilson Figueiredo, no dia 30 de setembro, às 20h. O buffet ficou a cargo de Dalal Hobaica, filha de Maria Áurea Megre Hobaica, descendente de libaneses.

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