Jornal fundado por Ésio Martins Bastos em 25 de dezembro de 1946 e dirigido por Luciano Augusto Bastos no período 2003-2011. E-mail: onortefluminense@hotmail.com
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
CEMITÉRIO DE ESCRAVOS NA SERRA DO TARDIN Um Patrimônio Histórico de Bom Jesus do Itabapoana
Observação: no dia 02 de novembro de 2006, O Norte Fluminense esteve na zona rural da Serra do Tardin, e realizou a presente reportagem . Esta matéria, contudo, extraviou-se. Com a localização da mesma, publicamo-la nesta edição, cerca de sete anos depois.
Entrada do Cemitério da Serra do Tardin
Conta a história que, no ano de 1842, o mineiro Antônio José da Silva Nenem chegou à região, que se tornou, posteriormente, na cidade de Bom Jesus do Itabapoana. A cerca de 15km dali, os índios puris residiam na área conhecida como Serra do Tardin. Temidos, os índios ali teriam vivido até os idos de 1850, quando provavelmente teriam sido expulsos.
Com a ocupação da Serra do Tardin, restou construída a "Fazenda Jesuína", para onde foram levados os escravos, para derrubarem as matas e trabalharem nas lavouras.
Próximo à fazenda, foi construído pelos escravos um cemitério, que constitui-se em patrimônio histórico do município.
Cerca de 40 minutos após nossa partida da sede, sob sol escaldante, encontramos Vanderlei Antonio Boniolo, que reside na Serra há mais de 40 anos. De seu cavalo, informou que possui poucas informações sobre o Cemitério da Serra do Tardin. Contudo, sabe que os escravos ficavam "presos" na fazenda, trabalhando para o crescimento econômico da região. Em seguida, indicou a proximidade da entrada para o Cemitério.
Vanderlei Antonio Boniolo: os escravos ficavam presos
MURO DE PEDRAS
A reportagem chegou a um ponto da estrada em que um muro de pedras se erguia, às margens de uma outra estrada perpendicular, como se indicasse que deveríamos seguir os contornos do muro para chegarmos ao cemitério. Com efeito, o muro de pedras se estendeu até a chegada do mesmo, envolvendo-o.
Toda a edificação de pedras foi construída pela mão de obra dos escravos da Serra do Tardin.
Dentro do cemitério, observamos que moradores antigos da região foram ali enterrados, assim como seus descendentes.
Muro de pedras sinaliza para o cemitério
A CONSTRUÇÃO DO CEMITÉRIO NO SÉCULO XIX
Uma sepultura, perfeitamente identificada, contendo os restos mortais de Francisca Angela Fiuza, falecida no ano de 1895, assim como de seu marido, nos dá pistas para a época da construção do cemitério. Consta na lápide:
"AQUI REPOUZÃO
OS RESTOS MORTAIS DE
FRANCISCA ANGELA FIUZA
NASCIDA A 21/2/1851
FALLECIDA A 16/3/1895
E SEU MARIDO
AFFONSO PONCE DE LEÃO"
A DESATIVAÇÃO E O RESTABELECIMENTO DO CEMITÉRIO
Enquanto a reportagem estava no interior do cemitério, apareceu Manoel Boechat, atualmente residente em Itaperuna(RJ), que veio prestar homenagem a seu pai Mercílio. Ao lado de sua companheira, Alcina da Cruz Breu, relatou que a atual fazenda é conhecida como "Fazenda dos Escravos", não sabendo mais detalhes sobre a mesma, nem mesmo podendo apontar com segurança sobre o local onde estariam seputaldos os restos mortais dos escravos.
Manoel Boechat e Alcina: região conhecida como Fazenda dos Escravos
A desinformação sobre o cemitério talvez se dê pelo fato de o mesmo ter sido desativado por muitos anos. O diretor de O Norte Fluminese, dr. Luciano Augusto Bastos, relatou em artigo, a reativação do Cemitério da Serra do Tardin, quando do falecimento do seu amigo Mário Nunes, aos 94 anos de idade. Na época, ele assinalou:
"Com a morte de Mário Nunes, aos 94 anos de idade, encerrou-se o ciclo da primeira geração descendente do patriarca Elias Nunes. Família brilhante essa dos Nunes. O patriarca, que viveu além dos cem anos, integrou a primeira Intendência Municipal, quando da emancipação bonjesuense de 1890. Mário - como seu irmão Tito Nunes - cumpriu trajetória importante na política. Vereador do "velho" PSD de Amaral Peixoto e Zezé Borges, chegou a ser candidato a prefeito pela legenda pessedista. Sua biografia e dados pessoais certamente ocuparão outro espaço neste jornal e na imprensa em geral.
Mas o que não se dirá é o efeito grandioso do seu sepultamento ter se efetivado no Cemitério da Serra do Tardin, desativado há várias décadas. Não se falará que o seu filho Delton de Mattos venceu uma batalha da maior importância histórica e sentimental cumprindo o desejo de que Mário fosse ali sepultado, ao lado dos seus pais.
Para isto, abriu-se uma estrada de acesso, reativou-se o Campo Santo, escondido, esquecido e abandonado, sabe Deus com que dificuldades e incompreensões.
Foi uma emoção inenarrável ao se chegar nos altos da Serra e ali deparar em local ermo e tranquilo a moradia eterna dos antigos habitantes. Por uma estrada centenária, em forma de arco, incrivelmente conservada, se adentra no pequeno cemitério, todo cercado de pedras superpostas colocadas pelos escravos da época, numa visão majestosa, imponente. Árvores sombreiam e no centro o jazigo de Elias Nunes e sua mulher Maria onde emoldurados estão seus retratos como a enviar uma mensagem de perenidade.
Descansa Mário Nunes no solo querido, berço de sua infância e de uma vida exemplar de luta e coragem, ao lado dos seus pais.
Fico a meditar na grandeza dessa luta pela memória dos nossos ancestrais e no pensamendo de Manch de que 'o tempo que estamos vivendo temos que vencê-lo com a presença dos nossos antepassados' ".
ESCRAVOS
José Francisco: escravos eram sepultados sem qualquer registro
Chama atenção, por outro lado, o relato de que os escravos tenham sido enterrados no mesmo cemitério destinado aos moradores da região, diferentemente de outras partes do país, onde os escravos foram enterrados em locais distintos.
A identificação do local onde estariam os restos mortais dos escravos, para quem realiza a visita pela primeira vez, é feita na base de conjecturas. Pedras fixadas em diferentes pontos da superfície do cemitério poderiam apontar para a resposta pretendida. Uma dessas pedras estava cercada por barras de metal. Palmira Joaquim da Cunha, residente na região, há cerca de 18 anos, informa que ali estaria enterrada uma escrava de pré-nome Francisca. Segundo ela, "Francisca tinha se recusado a namorar um escravo. Pela manhã, quando ela estava lavando o coador para fazer café, foi morta a cacetadas por ele".
Ao lado desta sepultura, duas rosas vermelhas artificiais foram afixadas ao lado de outra pedra, sem qualquer cerca, e sem qualquer informação sobre os restos mortais que ali repousam.
José Francisco de Almeida de Souza, 49 anos, morador da região desde os 3 anos de idade, informou que a ausência de identificação dos escravos ocorria porque "quando os escravos morriam, simplesmente furavam a terra e sepultavam sem qualquer escrita".
HISTÓRIAS
Algumas histórias relacionadas com o cemitério são contadas por alguns moradores. Palmira, anteriormente mencionada, afirma que sua filha Cristina, casada com um alemão, visitou-a há oitos anos atrás, com uma filmadora. Depois que filmaram o cemitério, assim que Palmira fora observar as imagens pela própria filmadora, viu " um homem sentado com a perna cruzada, de calça marrom, botina preta, chapéu preto e camisa de manga comprida tricolina, sentado em cima das pedras". Segundo Palmira, esta imagem não foi vista por mais ninguém: "Meu cunhado, da Alemanha, contudo, disse que viu as mesmas imanges que eu".
Outra história, contada por Antonio Nunes de Alvarenga, o Tóti, companheiro de Palmira, dá conta de que "na quinta-feira passada, fui a Bom Jardim. Ao anoitecer, quando eu retornava à Serra do Tardin, vi um casal estranho de mãos dadas. Dei boa noite, mas eles não responderam. Aí, me convenci que não eram pessoas deste mundo".
O casal lembra um relato de um morador da região, José Pedro, já falecido: "sua mulher estava esperando um bebê e passou mal. Saiu, então, a cavalo, para buscar uma parteira. Ao passar por uma conhecida moita de bambu, que havia na estrada, viu um caixão no meio da estrada, cheio de velas em volta. João Pedro teria então gritado: Me dá licença porque estou em uma causa urgente. O caixão rodou e deu caminho a José Pedro".
Palmira (D), Tóti e familiares: histórias para contar
CIRCUITO HISTÓRICO E ARQUEOLÓGICO
O Cemitério dos Escravos, da Serra do Tardin, constitui, juntamente com os demais patrimônios históricos aqui retratados pelo O Norte Fluminense, um Circuito Histórico e Arqueológico que tem ainda muito a revelar a respeito da contribuição dos diversos povos para a formação da nossa gente.
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7 comentários
Jefferson Rambaldi · Sócio Gerente na empresa TERRAFÉRTIL LTDA
Absurdo um local com tanta historia estar assim abandonado.
Responder · 4 ·
· 21 de outubro às 17:16
Luciano Fortunato
Meu caro amigo Jefferson Rambaldi. Em Bom Jesus do Itabapoana-RJ nada que acontece é "absurdo" e sim "normal". Município do descaso, do abandono... Uma cidade sem MEMÓRIA, sem HISTÓRIA, será sempre uma terra sem FUTURO...
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· 27 de outubro às 05:45
Sara Celeste Dutra Boechat · Universidade Estácio de Sá
O estado em que se encontra hoje ainda é pior que os mostrados aqui. Fiquei surpresa de ler que o cemitério esteve desativado por décadas e que foi reativado com o falecimento do Sr. Mario Nunes, tenho 35 anos e durante estes, parentes foram enterrados ali, tio avô, minha vó, tia, tio, meu irmão, meu pai... No intervalo entre estes o Sr. Mário Nunes. O cemitério nunca esteve desativado, sempre esteve abandonado, o que é diferente e vergonhoso.
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· 24 de outubro às 12:48
Angela Maria Dutra Domingues · Petrópolis
OLHA SÓ MOREI ATÉ AOS 20 ANOS DE IDADE, E PERCEBO QUE MUITA COISA AINDA FALTA E OUTRAS NÃO CORRESPONDEM. AINDA ESSE ANO MEU PAI FOI ENTERRADO ALI, ESSE SEMPRE FOI USADO POR FAMÍLIAS DALI PARA SEPULTAR SEU FAMILIARES. EU POR EXEMPLO TENHO MEUS
AVÓS, TIOS, PAI, PRIMOS, SOBRINHA, E ALGUNS CONHECIDOS. NUNCA NENHUMA ATENÇAO DO PODER PUBLICO AINDA NO ENTERRO DO MEU PAI COM ALGUNS POLÍTICOS QUE ESTAVAM ALI COMENTEI QUE ERA UM ABSURDO O ABANDONO DA HISTÓRIA DAQUELE LOCAL.
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· 23 de outubro às 13:56
Beth Marques · FAFITA
Adorei a matéria. Nunca é tarde para recuperar o que se julga perdido.
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· há 16 horas
Tania Emmerick Reis
Tenho muita vontade de ir até lá.
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· há 16 horas
Beth Marques · FAFITA
Nossa, também fiquei louca pra conhecer...
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· há 16 horas
Dulce Pains
Isso é um absurdo , o poder público tem que cuidar desse local, um locai histórico como esse não pode ser largado ao caos, minha mãe está enterrada aí.Até fezes de boi se percebe dentro do cemitério, isso é um crime.
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· 24 de outubro às 12:11
Elena Boechat · Centro Universitário Moacyr Bastos
quem ia imaginar. a Serra do tadin no face. Boas lembranças
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· 23 de outubro às 18:03
Edson Boechat · Colégio Estadual Euclides Feliciano Tardin
pow fui la semana passada , um lugar ki merecia muita atenção
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· 23 de outubro às 14:11
Sara Celeste Dutra Boechat · Universidade Estácio de Sá
Pena que não tenha como postar aqui uma das fotos tiradas nessa sua ida lá, assim poderiam ver que o estado de abandono está pior. Gostei foi de ver a foto do Chicão aqui.
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· 24 de outubro às 12:53
CARTAS RECEBIDAS
ResponderExcluirRecebemos do historiador Francisco Verdan Corrêa Neto, de Petrópolis (RJ), duas cartas, solicitando informações a respeito da origem da nominação de Serra do Tardin, assim como de Padre Mello.
Serra do Tardin
Em relação à Serra do Tardin, Delton de Mattos, em uma das colunas publicadas em O Norte Fluminense, salientou que o nome se deveu ao fato de François Tardin ter se casado com Jesuina, filha de Francisco Furtado da Costa. Este último, segundo o historiador Antonio Dutra, foi o desbravador da Serra do Tardin, vindo para essa região em 1851. Um irmão dele, José Rodrigues da Costa, se estabeleceu na Soledade.
Consta, ainda, que a Familia Tardin, de origem suiço-francesa, veio do Rio de Janeiro para Cantagalo, e de lá para a Serra do Tardin (casal Sigismundo Fassbender-Otilia Jesuina Tardin Fassbender).
Padre Mello
No que tange a Padre Mello, uma escola estadual leva seu nome, havendo um busto localizado à frente da Igreja Matriz. A escritora dra. Nísia Campos lançou um livro intitulado "Padre Mello, o Imortal", que, segundo informações da autora, deverá receber uma segunda edição, ampliada. Por outro lado, Sebastião Freire Rodrigues editou um livreto "Padre Mello". Poesias do autor foram publicadas no primeiro jornal de Bom Jesus, "O Itabapoana", que circulou entre os anos de 1906 e 1907, e estão disponíveis em duas edições relativas a esse jornal, publicadas por Luciano Bastos.
Em breve, pelo jeito que caminhamos , toda Bom Jesus do Itabapoana vai estar do jeito desse cemitério , ou seja abandonada. Só vejo comércios fechando, as coisas se deteriorando.
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