quarta-feira, 10 de novembro de 2021

12 de novembro: 6 anos de saudade de Amílcar Abreu, o Mago das Cordas

 



Amílcar Abreu Gonçalves nasceu em São José do Calçado (ES) no dia 17/09/1924. Filho de Adauto Pereira Gonçalves e Lélia Teixeira de Abreu Gonçalves, seu pai nasceu em Carangola (MG) e era motorista de caminhão, fazendo intermediação de negócios com fé. Sua mãe, calçadense, era "do lar".

Com 4 anos de idade mudou-se para Bom Jesus do Norte (ES), se fixando na conhecida Rua do Calçado, hoje Rua Carlos Firmo, passando a ser vizinho de Olívio Bastos, pai de Luciano e Ésio Bastos. O motivo da mudança se deveu a que "seu" Adauto fora trabalhar no Serviço de Água e Esgoto da cidade capixaba. 

Estudou no Colégio Rio Branco "até completar o 5o. e último ano". Foi escolhido, ao final, como "orador da turma, por meu estilo brincalhão".





Amilcar teve iniciação na música aos 9 anos de idade, quando passou a estudar com dona Mariquita, mãe de Gizete Barroso, sua professora no ensino regular. Dona Mariquita, violonista e pianista, se encantou com as qualidades artísticas de Amilcar e resolveu dar aulas de violão para ele gratuitamente.

Mais adiante, quando morava na rua Ataulpho Lobo, seu desejo de tocar violão se fortaleceu e tornou-se "autodidata, vendo os outros tocarem". Amílcar trabalhou com seu pai na empresa de Serviço de Água e Esgoto dos 12 aos 16 anos de idade.


CARLOS BRAMBILA


Amilcar recorda-se de uma passagem envolvendo o então diretor do Colégio Rio Branco, Carlos Brambila."Na época, havia o Internato no educandário e, aos sábados, os internados eram liberados para visitarem seus pais. Numa 6a feira, durante o intervalo, resolvi dar um murro em minha carteira, na sala de aula. Logo em seguida, Carlos Brambila adentrou na sala e, indignado, perguntou a todos: ' Quem é que bateu na carteira?'. Um silêncio total se seguiu a pergunta. Por este motivo, o diretor esbravejou: ' Enquanto não aparecer o responsável pelo murro, ninguém sairá do Colégio, nem mesmo os internados serão liberados amanhã'. O meu amigo dr. Edu, que estava com muita saudade da família, não resistiu e me denunciou: ' Foi o Amílcar!'. Recordo-me até hoje de Carlos Brambila avançando em minha direção com o dedo em riste próximo ao meu rosto, enquanto eu procurava recuar: 'O senhor devia ter confessado que foi o autor do murro logo depois da minha pergunta!'. O fato é que fiquei de castigo no Colégio até próximo ao anoitecer".


DONA CARMITA


Amílcar recorda-se ainda da diretora Dona Carmita, do Colégio Rio Branco: " Era muito rigorosa, mas administrava muito bem o Colégio". Conta ele que "certa vez, os Irmãos Tropicais, que faziam sucesso na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, foram se apresentar no Colégio Rio Branco. O presidente da mesa da apresentação, o professor Dr. Deusdeth Tinoco de Rezende, anunciou então o grupo musical. Ocorre que eu, que iria acompanhar o conjunto, não subi ao palco. Dona Carmita imediatamente se dirigiu a mim e perguntou: 'Amílcar, por que não vai para o palco?'. Eu respondi: ' Apenas o grupo Irmãos Tropicais foi chamado ao palco, eu não'. Em seguida, Dr. Deusdeth fez o reparo: ' Cometi um lapso. O grupo vai ser acompanhado por nosso aluno Amílcar", ocasião em que Amílcar subiu ao palco acompanhado por fortes aplausos.


PADRE MELLO


Em relação ao Padre Mello, Amilcar se recorda de duas passagens.  "Em um determinado evento, ocorrido no Grupo Escolar Pereira Passos, que funcionava onde está localizado atualmente o Big Hotel, eu fiz o acompanhamento da cantora lírica clássica  Aurélia Ferolla, irmã da Dilah Ferolla. Ela fez uma interpretação maravilhosa da música Estrellita. Ao final, foi aplaudida intensamente. Em seguida, Padre Mello se levantou e disse: 'agora peço uma salva de palmas para o rapaz que fez o acompanhamento'. Ao que se seguiu uma ovação".

O segundo caso ocorreu por ocasião de sua primeira comunhão. "Lembro-me que passei mal e fiquei tonto. O Padre Mello pegou, então, um vinho medicinal da Igreja e me deu. Em seguida, o sacerdote me perguntou: 'Melhorou?',  ao que respondi: ' Sim, melhorou. Mas não dava pra trazer mais um pouquinho pra mim, não?'. E Padre Mello, entendendo onde eu queria chegar, respondeu: "Meu filho, aquilo já foi o bastante".




EMANCIPAÇÃO


Quando completou 17 anos, Amílcar recebeu a Carta de Emancipação para que fosse trabalhar na empresa Armazéns Gerais do Vale do Itabapoana, sociedade constituída por Ésio Bastos, Melhin Nascif e Clínio Marcelino de Freitas, cujo objeto era a armazenagem de café. Amílcar  "fazia de tudo, inclusive preparava documentos para serem assinados por Clínio, o  diretor da firma".

Por indicação de Olívio Bastos ao gerente Renato Vanderlei, passou posteriormente a trabalhar no Banco de Crédito Agrícola do Espírito Santo. "Atuei também no serviço de alto-falante que havia na Praça Governador Portela, juntamente com Zuelzer Poubel. Na época, eu usava um pseudônimo: 'Raclima Abreu', sendo que Raclima é o nome Amílcar escrito ao contrário.

A edição de O Norte Fluminense de 1948 já se referia a Amílcar como o MAGO DAS CORDAS. Depois, passou a ser conhecido também como o "MÃO DE OURO".


AIMORÉS (MG)

 

Amilcar mudou-se para Aimorés (MG) em 1949, quando tinha 27 anos de idade, passando a trabalhar no comércio por 15 anos:  "Fui trabalhar na firma Cia.  Industrial Empresa de Bebidas Aimorés Ltda. Em seguida, me tornei comerciante no setor de secos e molhados. Posteriormente, passei a vender presentes. Fui o último da família a ir para lá. Meu tio Valdemar Pereira Gonçalves foi morar em Aimorés e, como a situação econômica não estava boa por aqui, toda a família resolveu se mudar para a cidade mineira, onde morei por 33 anos".

Casou-se em Aimorés, em 1960, com Terezinha de Jesus Lima Gonçalves, nascida na localidade de Tebas de Leopoldina (MG), que conheceu quando tinha 14 anos  de idade.  Amílcar se recorda com humor do discurso do "amigo Luciano Bastos" quando do lançamento de seu cd "Pingos de Saudade": "Amílcar teve 19 anos de namoro antes de se casar, um verdadeiro recorde". 

Na cidade mineira, trabalhou na Rádio local por cerca de 10 anos e também foi "consignatário" das mercadorias que chegavam à cidade pela estrada de ferro da Cia Vale do Rio Doce. "Eu recebia as mercadorias que eram depositadas em um armazém e, depois, as entregava ao destinatário", explica Amílcar.

Em 1965, fez parte da Seleção de Futebol de Aimorés. 



CONSAGRAÇÃO: acompanhando ORLANDO SILVA, GILBERTO ALVES e ALTEMAR DUTRA



Amílcar acompanhou ao violão alguns dos maiores cantores brasileiros de todos os tempos.Foi assim com Orlando Silva, quando este se apresentou em Aimorés.

Gilberto Alves foi outro que preferiu ter Amílcar como seu acompanhante ao invés de uma orquestra, já que os membros da mesma não possuíam as partituras das músicas.

Além disso, ensinou ao famoso cantor Altemar Dutra os primeiros acordes de violão. "Altemar Dutra nascera em Aimorés e fora morar em Colatina (ES). A mãe dele possuía uma pensão na cidade capixaba. Eu saía de Aimorés para acompanhá-lo e também para tocar violão elétrico na Orquestra de Colatina. Cheguei a tocar com o maior pistonista do Espírito Santo, conhecido como Mundico, diretor da Orquestra. Altemar Dutra chegou a  levar duas músicas feitas por mim e por meu amigo Espíndola, para gravar nos Estados Unidos. Infelizmente, ele acabou falecendo por lá, antes de fazer as gravações".


RETORNO A BOM JESUS



A respeito do retorno a Bom Jesus,  Amílcar diz que  "depois que me aposentei, resolvi retornar e morar aqui em Bom Jesus do Itabapoana (RJ), onde estou há 29 anos".

Seu temperamento dócil e cativante permitiu que fosse "católico e maçom ao mesmo tempo, sendo respeitado por esta opção".

Foi vencedor do Campeonato de Sinuca em Bom Jesus do Itabapoana no ano de 1994. Participou do Primeiro Encontro de Violonistas de Bom Jesus do Itabapoana, em 1992, organizado pela APAE, e integrou várias Serenatas ocorridas nas ruas da famosa cidade de Conservatória (RJ).

Aperfeiçoou seu dom de pintura com aulas de Gaída em sua "escola de pintura" e o resultado foi a produção de obras que adornam a sala de estar de sua residência.

Como compositor, foi autor de inúmeras músicas, algumas das quais integraram o consagrado cd "Pingos de Saudade". Na ocasião do lançamento deste, a poetisa Vera Viana lhe dedicou uma homenagem: " Há tempo para nascer, crescer, viver...Hoje é tempo de agradecer. Se a semeadura é boa certamente a colheita será de sazonados frutos. Momento especial em que o vitorioso e notável instrumentista recebe o laurel pelo desempenho no caminho percorrido quer ao compor as doces e encantáveis melodias ou pelas magnânimas apresentações nos eventos culturais do Vale do Itabapoana e muitas outras plagas. Parabéns, Amílcar, você é merecedor desta conquista".


ENTIDADES


Amílcar Ingressou no ILA ( Instituto de Letras e Artes dr. José Ronaldo do Canto Cyrillo) no ano de 2004 e integra o grupo AMANTES DA ARTE, "fundado por Ana Maria Teixeira, desde sua criação. Sou o violonista do grupo, enquanto o Cristóvão é o percucionista".

Foi um dos fundadores do grupo musical "Chorões do Vale", capitaneado por Jaime Figueiral e composto "pelo Maestro Moraes, por Geraldinho  e por Toninho do Tupy". Participou ainda das famosas Noites de Cultura e Arte, organizadas em Bom Jesus do Itabapoana pela Diretora de Cultura Maria José Martins e atualmente integra o Coral Santa Rita de Cássia da Igreja Matriz, sendo bastante requisitado para fazer apresentações e acompanhamentos em diversos eventos e solenidades.



HOMENAGENS



Amílcar tem sido intensamente homenageado ao longo dos anos por diversas entidades, entre as quais a Loja Maçônica, o Lions e o Rotary, por sua dedicação à causa da cultura, merecendo destaque a homenagem da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, por ocasião do seu ingresso no ILA, em 25/05/1994.

Foi homenageado com a composição de uma música: "Grande Amílcar", um choro de autoria do Maestro Samuel Xavier. Além disso, um soneto de Edson Chaves foi dedicado a ele, como reconhecimento ao seu valor humano e artístico.

Ao final da reportagem, Amílcar quis expressar "a honra de estar sendo entrevistado. Trata-se de uma surpresa das mais significativas. Julgo-me pequeno para merecer tal entrevista. Mas gostaria de ressaltar que fui e voltei para Bom Jesus e continuarei participando dos eventos culturais sempre que eu for convidado".

Do som de um murro na carteira, quando criança, ao som de um violão que acompanhou Orlando Silva, Gilberto Alves e Altemar Dutra, o Mão de Ouro continua a encantar as gerações, levando alegria e encantamento aos corações e fortalecendo os sonhos num mundo melhor. Trata-se, portanto, de um Mago das Cordas do violão e da vida.



UM FINO INSTRUMENTISTA

 Edson Chaves


Pessoa de alma nobre e educada
cujas mãos dão de grande habilidade
merce ter bastante realçada
a sua forte dose de humildade.

Na sinuca é brilhante na tacada
onde fez nome desde a mocidade
mas sua vocação é decantada
na música que ele ama de verdade

É o Amílcar, um fino instrumentista
que veio a se tornar especialista
no teclado e também no violão

Eu me orgulho de ser um seu confrade
e espero conservar sua amizade
enquanto resistir o coração.


Amilcar Abreu no lançamento do CD "Bom Jesus de Corpo e Alma", do Grupo Musical Amantes da Arte, no dia 6 de agosto de 2015, no Auditório Dona Carmita,  ECLB (Espaço Cultural Luciano Bastos)

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