terça-feira, 1 de janeiro de 2013


A escalada

                                                                                         Lívia Almeida e Sousa



Em uma das viagens ao interior de mim, ouvi uma história que me chamou atenção. Era uma vez um garotinho franzino e de olhos claros que queria muito voar. Ele sonhava com esse feito todos os dias de sua vida. Ele queria voar para alcançar a paz no alto de uma colina e ver o mundo de lá, tranquilo e confortável.

Várias foram às tentativas: tentou criar um balão azul, mas esse estourou no meio do trajeto; construiu uma grande pipa, porém a mesma se rompeu com os ventos fortes; subiu numa escada altíssima e tentou pensar positivo e pulou para alçar voo, como os passarinhos, todavia caiu de cara no chão, ralou-se e quebrou-se por inteiro.

Por causa dessa última tentativa, o menininho ficou com muito medo de tentar novamente. Para sublimar seu grande desejo de viver em paz na linda colina, o rapazinho começou a caçar filhotes de passarinhos, colocando-os numa linda gaiola feita de ouro, e a treiná-los com repetidas gravações de outros pássaros da mesma espécie. Desse modo, criaria um ser que reproduzia o canto da paz vinda da alta montanha e, assim, ele também sentiria o frescor da alegria que era produzida pela melodia da ave cativa.

Por alguns momentos, sentia-se feliz e animado, mas, em seguida, uma angústia e tristeza o assolava. Dessa forma, ignorava, por muitas vezes, os passarinhos presos nas gaiolas, deixando-os sem alimento e água por muitos dias. Quando se lembrava, tentava cuidar da melhor forma, mas esses já estavam enfermos e morriam presos. Certas vezes, o garoto abria a gaiola, pois via que não tinha condições de mantê-los aprisionados, sem proteção e cuidado.

Porém, os pobres passarinhos não percebiam que a gaiola estava aberta, pois desde filhotinhos estavam cativos naquele lugar à espera do seu dono por nutrição e cuidado. E ali morriam um por um, ou por enfermidade ou pelas garras de um gavião.

O garoto odiava os gaviões.

O tempo foi passando, a idade foi avançando e os passarinhos todos morrendo. Até que em certo momento, o garoto que já havia se tornado um senhor, começou a se questionar: quem sou eu? Onde estou? Por que sou assim tão só? O que eu fiz da minha vida? Perguntas sem respostas, aparentemente.

Com o tempo, ele parou de caçar passarinhos, passou a não odiar os gaviões e sim admirá-los, pois esses iam para onde bem queriam e eram fortes e ávidos.
Esse homem estava com sede e com fome, mas não de comida ou bebida, mas sim de conhecimento de si mesmo. Então, ele se recordou de quando era mais jovem e queria tanto voar para o alto da colina.

Voar ele não podia – esse entendimento ele adquiriu com a maturidade –, porém conquistar a colina sim: com suas pernas, braços e mente.  Para isso, haveria de existir um grande esforço, para entender seus limites, para avançar e recuar na escalada, preparo físico, persistência e coragem, visto que o caminho para chegar ao topo não existia, era ele quem iria traçar a trilha.

A história parava por aqui, ainda não sei se o homem/menino conseguiu, consegue ou conseguirá conquistar a colina. Apenas sei que há um querer, uma motivação interna que o move para esse objetivo.

A solidão plena fez com que ele buscasse os passarinhos dentro de si mesmo.

Que neste fim de ano, possamos refletir que não existe caminho sem tropeço, não há vitória sem guerra, não há conhecimento de si próprio sem dor, porque crescer dói, uma vez que uma mudança de estado requer novos condicionamentos de adaptação à nova realidade circundante. 

Por outro lado, organizar-se, planejar-se, pedir ajuda a outros desconhecidos, possibilita uma maior confiança em nós mesmos na hora de enfrentar os desafios. A escalada é grande, não somos capazes de voar por nossa condição física, mas somos capazes de aprender a voar por meio de nossa capacidade de imaginar e sonhar.


Livia Aparecida de Almeida e Sousa é professora da  UNIFA (Universidade da Força Aérea) do Rio de Janeiro e Mestra em Teoria Literária na UFRJ (Univerfsidade Federal do Rio de Janeiro

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