domingo, 1 de novembro de 2015

"CERTO PERDESTE O SENSO"


 Norberto Seródio Boechat





                Em 1775, um terremoto destruiu Lisboa. Milhares morreram. Enquanto a família real se afastava da cidade, o Marquês de Pombal, conhecido por sua capacidade de comando e organização, foi designado para  reconstruir a capital. Mudou radicalmente o traçado medieval. Ruas estreitas transformaram-se em largas avenidas e grandes praças – Lisboa pombalina.

                Encontrei o Marquês na praça que tem seu nome. Tentei encará-lo, mas foi impossível. Base e longo pedestal em pedras mantinham-no em reluzente e negra estátua numa altura de quarenta metros. Impossível ver detalhes do rosto. Fitava o Tejo e, por certo, já cansado da imutável paisagem. Abaixo e ao redor do monumento, transeuntes também não conseguiam vê-lo, tão alto está. No meio da coluna, em letras trabalhadas: O Povo, Agradecido, O Reverencia. Mas ele, acima e soberbo não pode ser homenageado. Esculpiram-lhe perfeita figura, mas içaram-na em demasia, imaginando, talvez, que, desse modo o homenageavam a contento. Erraram. Ninguém o percebe. Não se pode contemplar sua face.

                Haverão de indagar: encarar olhos de uma estátua? “Certo, perdeste o senso!” Mas, acompanhem meu raciocínio: o que está à nossa frente, tudo o que podemos visualizar não é passível de análise, de julgamento? Nosso olhar não  é capaz de intuir sobre qualquer objeto? Por que não uma estátua? Elas sempre conduzem a uma impressão. Basta que interpretemos...  Vale, é claro e muito, o que projetamos, o que inquirimos e o que o homenageado representou.

       Imaginem a visão da pequenina Nossa Senhora de Aparecida em seu altar na basílica: nos responde mesmo lá de cima. No entanto, nos transmite muito mais quando a vemos próxima,  ao cruzar a nave. Percebam a diferença de se encarar as estátuas da Princesa Isabel e Don Pedro II na Quinta da Boa Vista: estão rente a nós. Não parece que Carlos Drummond de Andrade nos fala, sentado num dos bancos do calçadão de Copacabana? Reparem como estão próximos,  Roberto Silveira e Dr. Seródio em nossa praça, cada qual exibindo uma dimensão: o primeiro olhando para frente, para o futuro. O médico, contrito, tal qual raciocinando um diagnóstico. São claras as visões.

                Mas, voltemos ao Marquês que, elevado, enfrenta o implacável vento do rio nas madrugadas. Sem ninguém. É fantástica a solidão em pedestais. Solidão e impotência. Cá embaixo, ao nível da rua, quem sabe, o arvoredo o protegesse ou, até mesmo, o vento rasante aquecido pela terra o acalorasse. Estou certo de que preferiria estar mais junto a nós.

                Portanto, estátuas devem ficar ao rés do chão, trocando olhares. É um erro elevá-las. Afinal, são reproduções de seres vivos, de existências terrenas, não de aladas. David e a Pietá, ambos de realismo anatômico impressionante, um em Florença e outro no Vaticano, estão ao alcance de nossa admiração.

              Eu não tenho receio de dizer que converso com elas. Sou de um tempo em que tudo o que existia falava. (Era uma vez...)








Norberto Seródio Boechat é bonjesuense/pirapetinguense

                                                                              

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