sexta-feira, 2 de outubro de 2020

QUANDO VIER A PRIMAVERA

 


Quando vier a Primavera, 

Se eu já estiver morto, 

As flores florirão da mesma maneira 

E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. 

A realidade não precisa de mim. 


Sinto uma alegria enorme 

Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma 


Se soubesse que amanhã morria 

E a Primavera era depois de amanhã, 

Morreria contente, porque ela era depois de amanhã. 

Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo? 

Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo; 

E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse. 

Por isso, se morrer agora, morro contente, 

Porque tudo é real e tudo está certo. 


Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem. 

Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele. 

Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências. 

O que for, quando for, é que será o que é. 


Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"


Enviado por Antonio Soares Borges

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