domingo, 4 de fevereiro de 2024

"De Formosura, Gentileza e Liberdade", por Lavínia Cyrillo

 


Maria Aurea Megre Hobaica 


Foi Clarice Lispector quem escreveu: "Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome". Não tem nome, porque o nomeado torna-se palpável, cognoscível, preso aos parâmetros da realidade. O nomeado é lugar comum, visita-se sempre, como um livro de cabeceira ou uma novela reprisada. Para além liberdade, no entanto, há o transcendental. Há uma força maior que rompe barreiras e abre portas, que constrói portas sem trancas, pois caminho é para ser percorrido por muitos, por tantos, por tanta gente. Eu li muitos livros de Clarice, mas foi na prática, pela sorte de ter nascido neste Vale - temos uma professora emérita, pioneira absoluta na arte de viver. É com Maria Aurea Megre Hobaica que aprendo a querer mais, a ser mais, a tentar mais. Como é superlativa essa mulher. Cleópatra de tantos rios, senhora de tantos tempos. Como é bom ser filha do mesmo solo que a nutre.

Ano passado, as salas de cinema ao redor do globo se encheram para a exibição do filme "Barbie", da diretora Greta Gerwig. A premissa do longa-metragem foi, na minha opinião, primorosa, resumida no monólogo da personagem de America Ferrera: "É literalmente impossível ser uma mulher", ela diz. "Estou tão cansada de ver a mim mesma e a todas as outras mulheres se esforçando para que gostem de nós. E  se  tudo isso também vale para uma boneca que apenas representa as mulheres, então nem sei". O fato exposto é claro: pressões estéticas, familiares e profissionais, o peso histórico de toda uma sociedade patriarcal que insiste em tolher o potencial feminino de transformação. Na contramão disso, Gerwig reconstrói a figura da boneca - em suas variadas versões - como o modelo primordial de empoderamento feminino. Mas, reconhecendo o óbvio, deixa claro: há diferenças explícitas entre ser e representar.

Ícone por ícone,eu escolho o real, com sua participação incontestável na História - com H maiúsculo. Digo sem pestanejar. Maria Aurea, como a Barbie, é símbolo incontestável, inspiração de gerações pregressas e futuras. Maria Aurea desbrava assembleias e magistérios, instiga o saber na certeza de que o novo é sempre necessário. Talvez por isso, corra na frente do tempo não por capricho ou cabotinismo, mas por querer ver de perto, apontar o caminho, adiantar o passo, aceitar a responsabilidade de liderar. Maria Aurea aprecia a beleza, pois entende que o belo está na generosidade do olhar de quem o vê. E assim, ela enxerga o mundo com os olhos do amor! Como também escreveu Clarice, "ninguém estará perdido se der amor". E quando há dores, Maria Aurea faz-se Midas e as transforma em ouro, preciosidades de um caminho valoroso, imperfeições de uma vida artesanal, única, rebuscada. Maria Aurea desafia a norma, contesta, é irreverente por aceitar cada minúcia do que se é, em uma autenticidade quase desconcertante. Quanto mais se transforma em si mesma, mais preenche o espectro de emoções humanas, mais caminha, mais avança. Mais, muito mais.

Maria Aurea nasceu e nasce, a cada dia, para o amanhã, para o que ainda não chegou, para o futuro. É a personificação de uma existência futura, de carne, osso e esperança. Pulsante, visceral, atenta. Algo que ainda não tem nome. Além da liberdade.

04 de janeiro de 2024


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