COLHEITA DE CAFÉ EM VARRE-SAI
Isabel Menezes, Professora e Historiadora |
Em fins de outono, durante todo o inverno e início da primavera, Varre-Sai, colônia italiana, capital estadual do café do noroeste fluminense, vive o momento da colheita do café. Esse ano o grãozinho está valendo ouro e recompensando o trabalho de proprietários, meeiros, diaristas e “panhadores” sazonais.
É um tempo de muito trabalho e alegria, mas também de muita expectativa com relação a preços da saca. O mercado oscila, a adrenalina sempre em alta nos homens e mulheres do café.
Muitas histórias em torno dessa “época da panha”. Inclusive conta-se que na Fazenda da Onça, lá no Valori, rolava o caso de um enterro que passava todas as sextas-feiras de agosto, à meia noite, com homens rezando. Todos os elementos vestidos com capas pretas e levavam um enorme caixão de madeira. Quem viu ficou horrorizado, com o tamanho do caixão. Dizia-se que os homens de capas pretas, “chegavam a morgar” de tanto peso. E iam passando... e iam rezando... e iam cantando hinos fúnebres, até sumirem na curva da estreita estradinha de terra.
-Era um horror! Dizia sr. Joaquim.
-Só de pensar dava arrepios! Falou compadre Chico.
-Que caixão enorme! Olhei pela greta da janela. Maria das Neves era corajosa!
-Os homens pareciam muito tristes! Zé do Canto observou.
-Os que seguravam as alças do caixão, davam sinais de cansaço extremo. Foi o que dona Maria Perpétua pode observar.
E assim, todos os anos, no mês de agosto era aquele “converseiro”. Um viu o caixão, outro viu também. E todos na redondeza morriam de medo. Em plena colheita do café, ninguém saía a noite no mês de agosto, nem ir a venda comprar açúcar ou querosene para o lampião. Esqueceu de comprar de dia, a noite é que ninguém ia.
E essa história perdurou por muitos anos, até que chegou aquela comunidade um meeiro novo, vindo de Minas Gerais. Dizem que da Pedra Dourada. João Álvaro, o novo meeiro, ouviu a história dos companheiros, pensou e guardou o assunto para ele mesmo.
Era uma sexta-feira de agosto e ele se colocou perto da janela. Vez por outra enrolava um cigarrinho de palha. Todos dormindo, faltavam ainda alguns segundos para a meia noite e já começou a ouvir os hinos fúnebres. João Álvaro sacou sua arma, um revólver Rossi Princess Modelo 13 cal22, carregado para 7 tiros e ficou a espreita. Ao passar a procissão mortuária, todos contritos e cabisbaixos, investidos em suas capas pretas, João Álvaro disse com voz forte:
- Parem em nome da lei! E começou atirar.
Foi homem correndo para todos os lados e se embrenhando no mato. O valente mineiro, terminou de descarregar sua arma e gritou ao povo da fazenda:
- Saiam para fora, que agora vamos ver quem é o defunto!
Muitos não saíram de suas casas, tremendo de medo.
Os que saíram, presenciaram João Álvaro abrir o enorme caixão de madeira, com o machado e dele derramar milhares de grãos de café pilado. Estava desvendado o mistério. Era roubo de café.
Os curiosos meeiros, suas mulheres e filhos, presenciavam tudo aliviados, pois há quanto tempo sofriam, todo mês de agosto, prisioneiros em suas próprias casas, amedrontados pelo caso do caixão que passava.
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