sexta-feira, 6 de setembro de 2013

MAIS COERÊNCIA




Por Luciano Rezende* 
 
 

            No Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia em que trabalho está faltando cartucho de tinta para carregar os pincéis (utilizados para se escrever nos quadros, em substituição ao antigo giz). Portanto, se eu (enquanto professor) saísse por aí gritando que falta até tinta nos pincéis para se dar aula, não estaria mentindo. Para conseguir mais aplausos, atrair mais holofotes e ser mais sensacionalista, poderia dizer que falta até giz nas salas de aula (o que também não é mentira, devido a suspensão de seu uso).



            Mas como toda grande mentira se baseia numa meia verdade, estaria ocultando um importante, digamos, detalhe. Ou seja, os responsáveis pela falta destes cartuchos de tinta somos nós mesmos, professores - que não apresentamos devidamente a demanda de compra -, ou dos gestores - que não fizeram a solicitação -, ou até mesmo do almoxarifado - que não controlou a distribuição entre os professores. O certo mesmo é que o Governo Federal nos últimos anos jamais deixou de prover este ou aquele campus com qualquer tipo de insumo, básico ou não, desde que fosse devidamente solicitado.



Utilizo o exemplo acima para comparar (e repudiar) declarações estapafúrdias de alguns profissionais da saúde afirmando que falta até kits para o exame papanicolau nas unidades básicas de saúde das capitais do país. Insisto em dizer: vai faltar algum insumo se não houver gestão minimamente qualificada, independente se o hospital estiver na capital de São Paulo ou no interior do vasto território amazonense. E para se ter gestão, precisamos antes de tudo do que? Respondo: profissionais qualificados.



É justamente essa a linha de raciocínio trilhada pelo professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Francisco Campos, que em entrevista ao Valor Econômico do dia 04/09 refuta a ideia de que o governo precisaria garantir a infraestrutura para o atendimento médico antes de contratar profissionais.  Segundo o professor, “essa tese de que primeiro tem que colocar a unidade, o estetoscópio, e só depois colocar o médico é uma tese niilista de quem não quer resolver o problema”.



“Se o médico estivesse em uma unidade médica sem estetoscópio, não ia poder trabalhar. Ele tem que pedir ao prefeito, ao gestor municipal, que compre estetoscópio, que tenha ambulância para levar as pessoas, mas ele vai organizar esse processo. O contrário não acontece. Não adianta estetoscópio sem médico. Se eu tiver que fazer um ‘ovo ou galinha’, o que vem primeiro, infraestrutura ou médico? Acho que o médico puxa a infraestrutura”. E arremata: “se você colocar estetoscópio lá e fizer uma unidade boa, o estetoscópio não pede médicos. Se você colocar um médico, o médico pede estetoscópio. Em uma unidade de saúde, muito mais importante que pedra, tijolo, estetoscópio, é o trabalho médico”. Concordo integralmente com essa visão do professor Francisco Campos.



Levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado no Valor Econômico do dia 21/08, mostra que no ano passado, apenas 27% da verba destinada pelo governo federal à área de saúde foram utilizados. Em saneamento, o percentual é ainda menor, de 9%. Na educação, foram aplicados 45% do previsto. Os dados foram apresentados pelo presidente do órgão, Augusto Nardes, durante seminário em Brasília. Em outras palavras, há uma clara e absurda ineficiência em gestão hospitalar (sem falar nas fraudes) que não é devidamente debatida pelos Conselhos de medicina e outras organizações afins.



Muito mais fácil transferir toda a responsabilidade para o Governo Federal - que obviamente também tem sua parcela de responsabilidade. Entretanto, é necessário reconhecer o crescente investimento que vem sendo direcionado ao Ministério da Saúde que, mais uma vez receberá o maior orçamento entre todas as pastas e terá também o maior aumento (mais R$ 3,97 bilhões) por parte do Governo Federal.



Dessa forma, é bom que se diga que as críticas ao programa Mais Médico são salutares e devem ser respeitada em qualquer Estado democrático. O que é inconcebível e intolerável são as declarações desqualificadas de certos profissionais da saúde, muitos dos quais ocupam cargos de notoriedade, tentando criar uma falsa contradição entre estrutura e mão de obra. Isso sem falar das manifestações racistas e xenófobas que são, antes de tudo, caso de polícia.



O principal entrave da saúde no Brasil é notório a todos, apesar de poucos governos terem a determinação para denunciar e enfrentar: a mercantilização levada a cabo por máfias dos planos de saúde privada, multinacionais da indústria farmacêutica e afins. A iniciativa privada que, deveria ter papel complementar ao sistema público de saúde, disputa a hegemonia e boicota com todas as forças o SUS.



Esse enfrentamento está apenas começando. Vamos precisar de muita força (e saúde) para superar essa enfermidade mercantilista que contamina vários incautos com um discurso elitista e reacionário. O Mais Médico é o primeiro tratamento de choque nesse sentido.

*Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e Doutor em Fitotecnia. Professor do Instituto Federal Fluminense


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