Ana Maria Silveira |
Boanerges
nos encantava ao narrar seus casos. Imitava, gesticulava, dava muita vida aos
personagens.
Contava
que lá por volta de 1920, em Calheiros- Bom Jesus do Itabapoana, quandofazia
uma visita costumeira a um compadre, percebeu o filho
deste um pouco aflito.
-Chico, já não resolveu aquele seu
problema com a noiva?
-Já, padrinho, mas agora é outro. Estou
gostando da Lucinda!
...
E Boanerges contava:
-Chico era meio devagar para tomar
decisões. Depois de meses de tentativas, ensaios e desistências, acabou
conseguindo romper um noivado com a Rosaura.
Naquele
tempo não se namorava sem o consentimento dos pais da moça e Chico ficou outros
meses imaginando como seria o novo evento:
-Eu visto meu terno de casimira, o
chapéu, passo um pouco de colônia para me perfumar, pego a bengala e vou até a
casa da minha amada.
Bato na porta: toc,toc, toc. Dona Elvira abre.
Muito gentilmente me cumprimenta:-Boa tarde, Sr. Francisco!
Gentilmente também, respondo:-Boa tarde,
Dona Elvira!
Ela dirá: -Entra Sr. Francisco...
Eu entro e tiro o chapéu.
-Senta-se Sr. Francisco...
Eu me sento e deixo a bengala de
lado. D. Elvira vai perceber as minhas
intenções, vai dar um sorrisinho malicioso e vai dizer para mim:
-Um momentinho só, Sr. Francisco, vou
comunicar ao Agnaldo que você veio nos visitar.
Fique à vontade...Com licença...
E Dona Elvira sai...
Enquanto ela vai chamar o Sr. Agnaldo eu
rapidamente apanho um jornal ou um almanaque que deverá ter pela sala, coloco
os óculos que o Zequinha me emprestou ( será que vou acertar colocar os
óculos?) e finjo ler qualquer coisa até chegar o Sr. Agnaldo acompanhado pela
D. Elvira. Leio por uns segundos, levanto a cabeça, dou um sorriso simpático
para ambos, tiro os óculos, coloco no bolso, me levanto e o cumprimento:
-Dr. Agnaldo, como vai o Sr.?
E ele para mim:
-A que lhe devo o prazer desta visita?
Aí então olho discretamente para a D.
Elvira, ela entende, diz que está atrasada com os bordados, pede licença e sai.
Sr. Agnaldo e eu ficamos a sós e eu lhe
falo das minhas intenções de namoro, noivado e casamento.
O clima ficará tenso
Sr. Agnaldo ficará sério, mas seus olhos
vão mostrar muita satisfação. Fico sério também e falo das minhas
possibilidades, das minhas posses e das minhas pretensões.
Tenho certeza de que ele vai me dizer:
-Sr. Francisco, o Sr.sabe muito bem que
a Lucinda é o nosso tesouro. É um anjo de doçura, uma semeadora da paz. Estou
certo de que o Sr. cuidará muito bem dela!
Aí falo com ele que tenho intenções de
consumar logo o matrimônio, pois não sou desses de ficar embromando, não!
Nós nos levantamos e ele berra a D.
Elvira. Quando ela vem e vê que estamos nos abraçando, volta e chama a Lucinda.
Aí as duas aparecem... A Lucinda tímida,
linda e a D. Elvira toda risonha, porque já estará percebendo tudo...
Sabendo da conversa, D. Elvira enxuga os
olhos, emocionada e Lucinda me olha, encabulada...
Já deixo marcada a data do noivado. Ah!
A do casamento também.
Tudo dito, peço licença para me retirar.
Cumprimento o Sr. Agnaldo, beijo a mão de D. Elvira.
Pego a bengala, o chapéu e volto para
casa.
E Chico ficou meses ensaiando essa história (
Eu visto o meu terno de casimira, o
chapéu, pego a bengala e vou até à casa da minha Lucinda. Bato na porta: toc,
toc, toc e D. Elvira abre...
Toc, toc, toc... e D. Elvira abre...
D. Elvira...)
Até
que resolveu ir lá. Afinal ele já estava com a história bem retida na cabeça,
os óculos o Zequinha acabara lhe dando de presente e a paixão pela Lucinda,
sufocando. Escolheu
uma data bem especial: 13 de junho, dia de Santo Antônio Casamenteiro.
Como
mil vezes havia planejado, vestiu-se com o terno de casimira, perfumou-se com a
colônia, colocou o chapéu, apanhou a bengala e lá se foi.
Chegando
defronte à casa da amada, parou. Acertou o chapéu, passou a bengala para a mão
esquerda, empinou-se e... Toc, toc, toc...
-Agora D. Elvira abre e eu...(pensava Chico, enquanto alguém abria a porta).
Só
que ao invés da D. Elvira, quem apareceu foi o Sr. Agnaldo.
Que
susto Chico levou!
-Boa tarde Dr. Elviro, disse, sem perceber a troca.
Quando
foi levantar a mão para cumprimentar o Sr. Agnaldo, lembrou-se de tirar o
chapéu. Bruscamente bateu na aba e este saiu voando.
Lançou-se
para pegar o objeto voador e tropeçou na bengala. Quase
caiu.
Derrotado,a
face vermelha e sem conseguir dizer palavras, deu meia volta, volver!
Já
distante, escutou alguém dizer: -Que
sujeito maluco!(mas não achou que fosse para ele.)
Voltou
para casa com o firme propósito de programar outra visita, só que desta vez quem
vai abrir a porta é Sr. Agnaldo...
Junho
de 2015
Ana Maria Silveira é filha do ex-governador Badger Silveira
Ana Maria Silveira é filha do ex-governador Badger Silveira
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