sábado, 29 de agosto de 2015

Boanerges, a Caldeira e os Engenheiros Alemães



Ana Maria Silveira


Boanerges acompanhava a tecnologia do tratamento do café, conseguindo assim melhor qualidade para o seu produto. O café, após a derriça, necessita de uma secagem bem conduzida para ser prontamente armazenado, conservando, desse modo, suas melhores características. Lá por 1920, a secagem era feita em terreiros, a céu aberto, totalmente dependente das condições climáticas. As chuvas representavam um desastre caso ocorressem no período das colheitas.
   
Certa ocasião Boanerges comprou, em uma exposição agropecuária, uma caldeira própria para a secagem do café.
A peça era alemã, de alta tecnologia. Foi um longo percurso até chegar a Bom Jesus. Mas um dia chegou!

Acompanhando vieram três engenheiros e outros tantos ajudantes para a montagem daquela coisa fantástica para a época.
Havia um pequeno problema: os alemães não falavam português e vice-versa.
Boanerges nutria um orgulho imenso pelos seus colaboradores, os empregados da sua fazenda São Tomé e do sítio Rio Preto.
Para ele não existiam trabalhadores mais caprichosos, interessados
nos serviços, criativos, alegres, musicais, educados, de caráter exemplar, inteligentes e, principalmente, amigos. Em contrapartida, tratava-os com muita consideração, carinho, respeito e admiração.

Todos tinham suas casas, terrenos para plantar, criar animais e o que mais fosse necessário para o sustento das famílias. Boanerges ainda promovia todo tipo de festas, festeiro que era, e todos participavam. Tudo isso gerava muito ressentimento em alguns outros fazendeiros, saudosos da época escravagista, que chegavam a dizer:
-O Boanerges trata esses negos dele com muito luxo. Isso é ruim para nós!

Boanerges tanto falou da máquina que quando esta chegou, a curiosidade tomou conta de todos. Seu povo acorreu ao local aonde seria instalada e ficaram em animada vigília até a engenhoca funcionar.
Os alemães foram devidamente acomodados na fazenda e o previsto no contrato era que a equipe deveria ficar de trinta a quarenta e cinco dias ensinando o manejo da caldeira ao novo proprietário. Aquilo era muito complicado. Num painel, uma quantidade enorme de mostradores - ponteiros que se deslocavam à direita e à esquerda - tinha de estar em perfeita harmoniapara que a coisa não explodisse.

Boanerges conseguiu um compadre como tradutor e selecionou uns cinco empregados para aprenderem o funcionamento da máquina, por medida de segurança, na sua ausência.

 Notou nos engenheiros uma atitude de arrogância, menosprezo e descrédito, dirigidos aos seus protegidos.  Perguntou do que se tratava.
-Disseram que são analfabetos, Boanerges, e tratando de quem se trata, não têm capacidade para aprender coisa alguma!

Boanerges sentiu-se injuriado em seu espírito humanitário pela discriminação contra seus amigos! Seu gosto por boas disputas aflorou imediatamente: propôs um desafio aos gringos. Se em 10 dias seus empregados não aprendessem aquele ofício, ele daria a máquina de presente aos alemães e estes poderiam levá-la para aonde quisessem. 

Os engenheiros insistiram: era difícil o manuseio da máquina. Em outros países, pessoas bem preparadas não conseguiram manejar a caldeira, logo aquele bando de negros analfabetos não tinham condições de aprender coisa alguma.

Boanerges pediu ao compadre: -Diga a esses estúpidos que meus companheiros são analfabetos, e muito! MAS BURROS, NÃO!

E assim foi feito. Entre os cursos da engrenagem os visitantes conheceram a plantação de café, de cana, pomares, animais silvestres, carneiros d´agua, comidas e bebidas típicas, os pagodes nos finais de semana com suas músicas e danças, o jongo e o caxambu...

Os prepotentes professores devem ter sido muito bons, pois os desdenhados alunos não precisaram de mais de uma semana para controlar com perfeição o manejo da caldeira. Ninguém soube o que foi maior: o espanto dos alemães com a inédita aprendizagem ou o orgulho que Boanerges sentia pela capacidade dos seus colaboradores.


Quando foram embora, junto com as desculpas, os abrasileirados estrangeiros pediram para que a Biluca cozinhasse mais um daquele delicioso frango ao molho pardo, acompanhado da deliciosa aguardente que produziam na fazenda.


30/07/2015


Ana Maria Silveira é filha do ex-governador Badger Silveira                                                 

Nenhum comentário:

Postar um comentário