Saulo Soares
“Que nunca silencie essa voz pela qual Deus lhe diz:
“Eu sou a tua salvação!”
Santo Agostinho
Estamos cansados. Se não todos; boa parte de nós. Cansados de um cansaço que extenua, que nos extingue o tônus, que quase nos vence. Pois bem, li recentemente esses belos e tristes versos de Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Álvaro de Campos: “O que há em mim é sobretudo cansaço. Não disto, nem daquilo. Nem sequer de tudo ou de nada: cansaço, assim mesmo, ele mesmo, cansaço. [...] A sutileza das sensações inúteis, as paixões violentas por coisa nenhuma, os amores intensos por o suposto em alguém. Essas coisas todas. Essas e o que falta nelas eternamente. Tudo isso faz um cansaço, este cansaço, cansaço.”
Quando o poeta diz “cansaço, assim mesmo, ele mesmo, cansaço.”, imagino que o que ele queira “mesmo” dizer é: um “cansaço da alma”. Não um cansaço muscular, articular, corpóreo - até mesmo psicológico - mas um cansaço “superior”, que não se dissipa com uma boa noite de sono no melhor dos aposentos ou com algumas drágeas de relaxantes.
As belas imagens do Salmo, das verdes pastagens, das águas tranquilas, do restauro das forças, da segurança, da festa, do óleo, da taça transbordante são figuras deste repouso que a alma deseja. Nossa alma é aquela “corça” sedenta e suspirante.
Para mim, o verdadeiro repouso é uma voz. Uma Eterna Voz que passeia pelo Jardim e me pergunta “Onde estás?”, que vibra nos rolos da Torá, do Pentateuco; que tremula no Sinai, fibrila por toda a Antiga Aliança. Que está na brisa com Elias; que perpassa os Salmos reverberando poesia nas letras judaicas e, finalmente, toma timbre e corpo humanos num: “Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso dos vossos fardos e eu vos darei descanso.” (Mt 11,28)
Sobre esta belíssima passagem bíblica, Santo Agostinho, nos seus Sermões 126,12, presenteia-nos com esta maravilhosa reflexão: “Qualquer outra carga te oprime e sobrecarrega, mas a carga de Cristo te alivia o peso. Qualquer outra carga tem peso, mas a de Cristo tem asas. Se a um pássaro lhe tiras as asas, parece que lhe alivias do peso, contudo quanto mais lhe tires este peso, mais o prendes à terra. Vês no solo aquele que quiseste aliviar de um peso; restitui-lhe o peso de suas asas e verás como voa.” O peso das asas. O peso de Cristo nos eleva. E somente Ele pode fazer isto.
O bem-humorado Cardeal Fulton Sheen, numa de suas homilias sobre o Natal, disse: “Não conseguimos nos erguer ao puxarmos as próprias orelhas.” Quando insistimos em nos elevar apenas por esforços próprios logo nos sobrevém o cansaço. Descanse em Deus. Espere em Deus.
Por fim, começamos com um poema e terminaremos com outro: Oração ao Cristo do Calvário, de Gabriela Mistral: “Nesta tarde, Cristo do Calvário, vim te rogar por minha carne enferma. Porém, ao ver-te, os meus olhos vão e vem do meu corpo ao teu corpo com vergonha. Como queixar-me dos meus pés cansados quando vejo os teus tão destroçados? Como mostrar-te minhas mãos vazias quando as tuas estão cheias de feridas? Como explicar a ti minha solidão, quando na cruz erguido e só estás? Como explicar-te que não tenho amor, quando tens rasgado o coração? Agora já não lembro de mais nada, fugiu de mim toda a minha mágoa. E o ímpeto de rogo que trazia se afoga na minha boca pedinte. Eu só peço não te pedir nada. Estar aqui junto à tua imagem morta e ir aprendendo que a dor é só a chave santa de tua santa porta.”
Belíssima reflexão! 🙏🙏
ResponderExcluirGrato pela leitura! Deus abençoe!
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