Foi no dia 20 de abril que nasceu o escritor Delton de Mattos, na Serra do Tardin, em 1925, um dos gênios de nossa literatura.Faleceu, no sábado (22/06/2019), aos 94 anos de idade.
Filho de Mário Nunes da Silva e Pautilha Nunes de Mattos. Seus avós paternos foram Elias Nunes da Silva e Maria da Silveira Nunes. Os avós maternos, por sua vez, foram Porphirio Franca de Mattos e Etelvina de Mattos Picança.
Aos 12 anos, ingressou no Colégio Rio Branco, onde cursou o exame de Admissão.
Foi colaborador do jornal O Norte Fluminense, fundado por Ésio Bastos, no dia 25 de dezembro de 1946, desde o início das atividades deste.
Foi um dos grandes intelectuais do Brasil, tendo sido o pioneiro nos estudos da Tradutologia.
Autor de vários livros, editou ainda obras preciosas de autores bonjesuenses e bonjesuistas, como Padre Mello, Octacílio de Aquino, Romeu Couto e Athos Fernandes.
Segue um de seus grandes textos, sobre o amor a Bom Jesus.
O APEGO A BOM JESUS
O crítico literário Agripino Grieco, que nos idos de 1941 esteve em Bom Jesus, a convite do Grêmio Humberto de Campos (vamos reavivá-lo?), costumava dizer, em suas sarcásticas e concorridas conferências, que muito se orgulhava de ser um prosador de beira-rio. "Dizer de alguém que é um poeta de água doce - sublinhou ele no livro "Recordações de um Mundo Perdido" - é para mim o maior elogio que se possa fazer a esse alguém, porque também sou um prosador de água doce, nascido às margens do glorioso Paraíba ".
Na verdade, nesses tempos ecológicos, é oportuno lembrar que os rios constituem em todas as civilizações, um notável fator de catalização cultural, sendo, em muitos casos, determinantes irrecusáveis do desenvolvimento dos indivíduos e das nações. As metrópoles mais ricas e brilhantes nasceram e floresceram às margens de rios, bastando citar Paris, Londres, Roma, Berlim, Moscou, Viena, Madrid, Lisboa, sem falar que as religiões mais difundidas tiveram sua origem mas importantes correntes fluviais da China, Índia e Oriente Médio.
Numa demorada pesquisa que fiz na Alemanha, penso ter comprovado que sem a presença, ainda que indireta, de montanhas, rios ou florestas, só a duras penas surgirá uma obra artística cultural de algum valor. Ora, se essa conclusão estiver correta, Brasília por exemplo, coloca-se irremediavelmente excluída desse privilégio, a não ser que, pelo menos menos, se formem ali florestas em profusão.
Pois bem, nós de Bom Jesus, guardadas as proporções, temos, em nossa dinâmica paisagem, tanto o sereno e sinuoso Itabapoana, quanto belas e suaves montanhas que circundam a cidade. "Com suas curvas lindas de mulher, cinturas finas, seios amplos,/ Deitadas tão preguiçosas/ Nas margens do nosso rio", conforme ainda há pouco cantava Gênio Figueiredo. Que mais queremos nós? É verdade que foram devastadas as velhas e exuberantes florestas da região, primeiro para o cultivo do café, depois para a expansão da agropecuária, enquanto o Itabapoana corre os riscos de uma poluição desoladora e fatal. Mas tudo isto pode ser remediado, quando despertamos de vez nossa consciência ecológica, pois florestas se plantam, e poluição se acaba através de campanhas educativas e emprego de tecnologia.
Mas seja devido ao rio, às encantadoras montanhas ou a qualquer outro segredo da paisagem ou das pessoas, o certo é que Bom Jesus conseguiu criar uma atmosfera de benevolência e calor humano, como uma espécie de compulsão, que conquista o apego sentimental de seus filhos presentes e ausentes. No meu caso isto é tão visível a olho nu, que uma pessoa competente e observadora me declarou: "Quando você chega a Bom Jesus, torna-se tão emotivo, que parece embriagado por uma boa garrafa de vinho, fica por demais eufórico e fala sem parar, acho que deveria conter-se um pouco para não prejudicar a saúde ". De agora por diante, verei o que é possível fazer, além do mais porque qualquer tipo de amor em excesso pode acabar desencadeando sentimentos de indiferença, desprezo e até de ódio.o fato é que as pessoas se afeiçoam a Bom Jesus com facilidade. Há quem meta de tal maneira a cidade nas entranhas que não consegue relaxar o seu apego, nem diante de inúmeros atrativos de um centro maior como o Rio de Janeiro ou mesmo Niterói. Na feliz expressão de Octacilio de Aquino, essas pessoas não são apenas "bonjesuenses" mas principalmente "bonjesuistas", quer dizer, de quem coloque o apego a Bom Jesus acima de quaisquer outros interesses de ordem pessoal.
Há, porém, "bonjesuistas" mais moderados, pois também não é preciso tanto exagero. Tudo de acordo com o temperamento e as possibilidades de cada um. Outro "bonjesuista" da melhor cepa é, por exemplo, o médico Paulo Borges, de Brasília, sempre acolhedor e prestativo, sem medir sacrifícios em favor de qualquer bonjesuense que o procure, e colocando à sua disposição os préstimos e boas relações que tem na capital da República, onde abre portas e soluciona dificuldades.
Quero me referir ainda aos não menos valiosos, que nunca deixaram a cidade, e que transcendem a sua vida pessoal, relegam a segundo plano as suas economias e os seus momentos de lazer, para se dedicarem ao nosso progresso, contribuindo para que Bom Jesus vá tomando, aos poucos, excelente formato de cultura própria, com visível prosperidade e um estilo interiorano todo particular.
A propósito, transcrevo o que me escreve Romeu Couto: "Confesso-me também um bonjesuense apaixonado, ufanista e cheio de saudade, banzando por onde tenho andado. Tenho um primo em Volta Redonda tão "patriota" como nós ambos, de quem os conhecidos vivem a cobrar "cousas" de Bom Jesus. Agripino Grieco foi um orgulhoso piraquara que, em suas memórias, declara ter grande compaixão dos adultos em cuja infância não havido a presença de um rio". Dadas a raridade e precisão dos vocábulos, fico tentado a acrescentar que "banzando", do verbo banzar, aqui significa, pouco ou mais ou menos "meditar", "pensar detidamente", e que "piraquara", de origem tupi, neste contexto designa quem vive às margens do rio Paraíba do Sul. Portanto, são palavras exatas e perfeitas para o caso de citação do erudito e mordaz crítico Agripino Grieco. E, para encerrar, se temos o Itabapoana, florestas e montanhas, pergunto eu: o que é que nos está faltando?
(1991)
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