A Sofrida Derrota da Cultura Brasileira
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| Hoje só temos músicas que não enfrentam nada, não contestam nada, não protegem nada |
Atravessam nossos ouvidos leves como espuma, sem carregar nada além de um brilho raso, feito pipoca que estoura rápido e some, um gosto que não alimenta, só distrai.
Enquanto isso, longe do nosso litoral e das nossas distrações tropicais, no Festival Internacional Intervision, a música brasileira canta a pipoca que estoura a dor enquanto a vietnamita diz que tem que escrever a história hoje, e vence a competição (as letras das canções brasileira e vietnamita estão ao final deste texto).
O Vietnam canta sua história, sua dor, sua resistência.
Canta o amor pela nação como quem segura um bambu no meio da tempestade: firme, flexível, invencível.
E nós?
Nós, que desde o nascimento fomos banhados por um rio interminável de canções, flutuamos sem perceber que esse rio nunca correu livre.
Ele sempre foi canalizado, represado, desviado por mãos invisíveis, e outras muito visíveis, que decidiram o que merecíamos ouvir.
Essas músicas que tocaram nas rádios, nos programas de auditório, nas novelas, nos jingles de propaganda…
Todas elas formaram um grande guarda-chuva sobre nossas cabeças: um abrigo colorido, confortável, mas que nos impediu de olhar o céu.
Impediu que víssemos a chuva verdadeira, a chuva das questões urgentes, dos gritos abafados, das lutas não cantadas.
Durante décadas, gravar uma música no Brasil não foi um gesto íntimo entre o artista e sua arte.
Foi um pacto com o poder: o poder das gravadoras, dos produtores, dos programadores de rádio que decidiam quem merecia voz, e quem permaneceria silencioso.
Nada nunca foi espontâneo.
Nada nunca foi tão inocente quanto as melodias azuis que embalavam nossas noites de novela.
O sucesso, como sempre, foi arquitetado.
Moldado.
Minerado.
Pago.
Sim, pago, como se o gosto popular fosse uma conta bancária que pudesse ser abastecida com publicidade, repetição e persuasão.
Afinal, o que é uma música repetida cem vezes no rádio senão uma verdade inventada que a gente acaba acreditando?
E assim crescemos: ouvindo sem escutar, cantando sem compreender, aceitando sem escolher.
Hoje, quando procuramos canções de crítica social, consciência, indignação, encontramos repetições longínquas, quase fantasmas de um Brasil que um dia cantou sua fome, sua luta, sua utopia.
Agora, predominam canções neutras, leves, anestesiantes.
Músicas que não enfrentam nada, não contestam nada, não protegem nada.
Músicas que, no máximo, fazem companhia, mas nunca fazem pensar.
Quem sabe por isso o poema do bambu vietnamita soa mais alto: porque lembra que a música pode ser arma, memória, história, escudo.
Pode ser coragem.
Pode ser nação.
E talvez, só talvez, esteja nos faltando isso: músicas que não estouram e desaparecem, mas que finquem raiz.
Músicas que nos devolvam o céu que o guarda-chuva da indústria cultural escondeu.
Músicas que não tenham medo de dizer aquilo que, há tanto tempo, fingimos não ouvir.
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| Duc Phuc venceu o Intervision |
Seguem as letras das músicas brasileira e vietnamita.
PIPOCA COM AMOR
Taís Nader e Luciano Calazans
Todo dia María
Se veste de alegria
Canta pra animar
Dança pra desestressar
Põe comida na mesa
se veste da certeza
que vai prosperar
pois vai trabalhar
Atô Nã
Faz, ela faz
E faz mais, muito mais
Faz, ela faz
O que é que Maria faz?
Pipoca com Amor
Pipoca pra sonhar
Pipoca estoura a dor
Leva
Um Sopro de prazer
Pra a dor de um país
Um sonho de ser mais feliz
PHU DONG THIEN VUONG (herói vietnamita)
Duc Phuc
(Introdução)
Desde quando o bambu é verde?
A velha história há muito tempo homenageia o bambu verde
Seu tronco esguio e folhas frágeis,
Mas como ele se torna uma fortaleza, ó bambu.
(Refrão)
O cavalo relincha, investindo ferozmente.
Como uma tempestade furiosa e um vento selvagem
Com a coragem de um jovem no campo de batalha
Balançando o chicote de bambu em todas as direções.
(Ponte)
O cavalo relincha atacando ferozmente de
Como uma tempestade furiosa e vento selvagem
Com a coragem de um jovem no campo de batalha
Balançando o chicote de bambu em todas as direções
A história registra por milhares de anos que
Um jovem salvando a aldeia
Ele cavalga o vento em volta aos céus
Sua fama se espalhando por toda parte
E assim que nos levantamos
Marchando com orgulho sem fim
Hoje à noite temos uma história a escrever
Estamos escrevendo a história hoje.






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