Tarcísio Borges |
Buscando
estimular o crescimento, tentando encontrar valores e talentos, algumas
atividades específicas são desenvolvidas – por exemplo, o incentivo da escrita.
Novos amigos vão surgindo no ambiente. Pessoas com espírito, sensibilidade
estética e análise crítica. Gente que faz poesia. Aconteceu em março tal
encontro de valores numa oficina com alunos de escolas públicas no noroeste da
província, a região mais pobre do estado, uma das áreas mais carentes do país –
e feudo, e burgo, e curral –, atualmente no último estágio do desenvolvimento agropecuário – isto é:
desertificação.
O
que mais dizer, além do previsto, a pessoas tão especiais? Será melhor fazer
advertências ou sugestões?
“Filósofos
e escritores falaram de você. Singular e
capaz. Traz a diferença que engendra o ódio. É do noroeste, e vizinha de Reykjavik.
Olha o riacho, e imagina o Ganges. Siga em frente sem apoio. Faça sua carreira
lá longe, graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado. Não permaneça nem
retorne. Parte da aristocracia rural – dona de uns terrenos e umas vacas – não
lhe perdoará a capacidade luminosa, e, por conseguinte, a redução do brilho
fosco de tais senhores, Ancien Régime. Mas como?
Gente pobre não pode estudar! Isso é para os filhos de ricos. Você foi feita
para limpar o chão. Não pode passar de auxiliar de qualquer coisa, ou geral. Até
os seus parentes tentarão impedir (uns mais que outros). Talvez seu pai se lhe
oponha: ele pode ter sucumbido, preferindo viver sem plenitude. Os aristocratas
falarão mal de você na graduação. Na pós-graduação, mandarão aquele rapaz da
antiga capital lhe declarar guerra. Não
gosto de você! Bajuladora! Não importa se você nunca conversou com o rapaz.
Ele também é pobre, e não sabe que o usam. No mundo sem porteiras, não adianta
ir trabalhar lá bem longe. Arranjarão meio de fazer chegar até lá a
maledicência. Falarão mal de você no exterior, aos seus amigos lá de longe –
gente que você lhes apresentou. Perceba que lhes darão vivência no preconceito,
a experiência ruim da separação. Portanto, retire da sua alma todos os
vestígios preconceituosos adquiridos do ambiente, retornando ao padrão da
criança. E jamais trate alguém desse modo desagregador. Com sua bondade, talvez
agradeça aos perseguidores tantas calúnias e injúrias. Isso é nobre. Mas, por
favor, não perca a capacidade de indignação. Mantenha elevado senso de justiça.
Não esmoreça. Vá anotando. Talvez deva agradecer tanto material literário
fornecido, muito obrigado. Coisa é certa: jamais compreenderão sua capacidade
de viver com pouco, morar num cubículo, não ter carro nem imóveis, mudar com
regularidade, viajar com frequência, conversar com todos, parar na rua para ver
o artista. Você é louca! – dirão.
Faça o bem com bastante discrição ou também será condenada, cutiladas, pernas
quebradas. Tente viver entre os seus iguais. Cuidado com os assemelhados, pois
lhe terão inveja, e fazem muito ruído. (Os aristocratas são insidiosos como o
câncer). Garanta sua estabilidade num concurso. Aprenda a viver sozinha”.
Não!
Será melhor não fazer advertências ou sugestões. Não direi nada.
Tarcísio Borges, nascido em Bom Jesus do Itabapoana (RJ), é médico e escritor
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