quinta-feira, 23 de novembro de 2023

A angústia e os poetas

 

Napoleão Lyrio Teixeira



"...para a cura das almas sofridas, das quais se ocupam, cada vez mais, os médicos a receitar tranquilizantes, quando está na compreensão da dor o único remédio contra ela própria" (Dinah Silveira de Queiroz)


A Medicina vive paredes-meia com a literatura. E, na Medicina, sua face alada, que é a Psiquiatria, é vizinha chegada da Poesia. Repita-se velha verdade: "Medicus non literatus nec medicus, nec literatus", aí estão exemplos sem conta de médicos escribas, poetas, a documentarem o acerto do aforismo. 

Vamos ao assunto. O último número do "Jornal Brasileiro de Psiquiatria", há pouco chegado, traz belo artigo sobre diversas manifestações da angústia e é claro que não poderia faltar a colaboração dos poetas, dela sofredores e só a ela devendo a poesia sua; pois não foi outro grande poeta das Américas quem ensinou: "Se tua dor te atormenta, fazes dela um poema"?

Pois o autor de excelente estudo, médico psiquiatra, literato (não poderia fugir à "tara") estudou muito bem a angústia de alguns poetas conhecidos. Começa recordando Augusto dos Anjos - " minha angústia feroz não tinha nome", para chegar a Fernando Pessoa: "Esta velha angústia/ Que trago, há séculos em mim,/ Transbordou da vasilha,/ Em lágrimas, em grandes imaginações/ Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,/ Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum./ Transborda. Não sei como conduzir-me na vida, com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!/ Se ao menos endoidecesse deveras!/ Mas não: é estar entre/ Este quase. Este poder ser que... e isto ".

Mais expressivo este outro depoimento do mesmo poeta português: "Há doenças piores que a doença,/ Há dores que não doem, nem na alma,/  Mas que são mais dolorosas que as outras./ Há angústias sonhadas mais reais/ que as que a vida nos traz, há sensações/ Sentidas/ só com imaginá-las/ Que são mais nossas que a própria vida..."

Falou certo, rigorosamente certo. Psiquiatra algum o faria melhor. A angústia e a ansiedade, sua irmã gêmea, são, sem dúvida alguma, o signo da nossa era.

Vive-se à sombra da angústia. Como ela se acorda, pela manhã; com ela se vive; assenta-se conosco, à mesa; segue-nos nas nossas ocupações habituais; interpõe-se entre nós e a pessoa amada na hora do amor, essa "oração a dois" ao dizer de poeta francês. Sem contar que conosco passa a viver a partir de certa hora da vida nossa, nos adentramos no crepúsculo e pressentindo o frio glacial da noite, do fim que chega.

A talentosa escritora Dinah Silveira Queiroz conta que, em Poços de Caldas, foi visitar uma igrejinha humilde, por curiosidade apenas; entrou exatamente na hora em que o padre pregava o sermão para alguns poucos fiéis que, atentos, na penumbra, o ouviam. Ensinava o sacerdote o pouco dos sofreres nossos, face ao muito que Cristo por nós sofreu na cruz. Ali ela aprendeu lição que a seguiria vida em fora, em todas as horas cinzentas ou amargas que deveria passar na sua caminhada pela terra: que está na compreensão e na aceitação da dor o único remédio para ela própria. 

O que lhe deram as palavras daquele modesto padre do interior. Mais que todos os tranquilizantes e palavras de estímulo, que lhe pudessem dar ou dizer psiquiatras ou analistas caros.

Que, muitas vezes, desconhecem os caminhos certos da alma humana.



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