segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

CARTA PARA AMÁLIA

 

Reginaldo Teixeira Chalhoub, na praça Amália Teixeira Chalhoub, vendo-se aos fundos o prédio onde funcionou a Escola Bom Jesus fundada por sua mãe 

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Reginaldo Teixeira Chalhoub
Oi, Mãe!
     Sou eu, Mãe, o seu menininho, o seu principezinho. - Sou eu, Mãe, seu filho primeiro -  sonho, enlevo e devaneio de todas as mães do mundo!
  Pois é, sou eu mesmo, que nestes  vinte e oito de agosto não resisti a uma vontade imensa de falar com você.  – A  propósito, vou tratá-la assim, porque hoje eu sou um velho e você, quando se foi, era só uma menina de trinta e três anos. – E lá se vão 83 anos, Amália!
    Lendo e relendo tudo o que por aqui foi escrito sobre sua doce figura, inclusive naquele álbum que seu irmão Napoleão Teixeira lhe deu, em marco de 1928, e no qual tantos amigos e intelectuais de sua época apuseram poesias e dedicatórias as mais lindas e  comoventes, ainda não consigo entender o porquê de Deus ter-me privado de sua presença querida, quando eu tanto precisava do seu calor, do seu abraço, do seu beijo e do seu cheiro.  
   Dói demais reler algumas das muitas cartas que você endereçou ao meu pai, seu distante e sofrido marido, “meu barco sem leme, vagando sem a sua companheirinha...” – missivas nas quais você deixa cair lágrimas amargas ao se referir às dores decorrentes do tratamento a que se submetia e à saudade imensa que sentia de todos os que aqui ficaram, principalmente dos parentes queridos que, em permanente estado de desvelo e vigília, oravam e não poupavam esforços para ajudar naqueles tormentosos momentos de angústia.
   Noutro documento, dos muitos que mantenho cuidadosamente guardado, Napoleão conta o episódio em que você Amália, principiando a trabalhar, numa época extremamente difícil para todos, deu a ele vinte mil réis – dinheirinho tirado do pouco que você conseguia de algumas aulas – e mandou  que ele fosse para o Rio de Janeiro em busca do seu sonho.
   “Parti para o Rio para tentar o vestibular, com muita benção e pouco dinheiro; enfrentei-o, passei e fui correndo ao telégrafo, telegrafei-lhe: sou acadêmico! – Dias depois viria aquela carta: “ era noite de luar, lua cheia; estava com amigas no jardim da praça quando me entregaram o telegrama – e a noite ficou mais linda com a alegria que me banhou a alma, feliz e orgulhosa de você, Amália”.
    Ô, Mãe! Que orgulho! Como eu gostaria de estar presente! Alguma vez você viu um velho chorar?  Pois é o que esta acontecendo agora comigo, que mal consigo  seguir escrevendo alguma coisa.  
    Busquei e achei numa outra carta, da exímia missivista que você sempre foi, um texto encantador, em que a Mamãe fala de nós, seus rebentos: da Maria Aparecida e de mim. – A sua Maria, a Maria Aparecida, a minha irmã querida, ah! Ela já está por ai faz algum tempo, Amália. –Deus usou o tal de covid-19 para levá-la num repente. – Aliás, se por acaso você ouvir uma voz clamando por “Mãe”, Mamãe!” Tenha a certeza de que é ela, a querida maninha buscando o aconchego dos braços maternos, o que também lhe foi negado desde o nascimento.
  Na mesma carta, você fala de mim ao meu pai e, com toda mãe de primeira viagem, com toda certeza exagerou ao dizer: “ Meu filho, herdeiro dos velhos Teixeiras; violento e enérgico; bom e brioso; doce e ciumento; sofrerá neste mundo falso e fraco, se Deus não se apiedar dele. Ele é inteligente, são e forte.” E por ai você vai, Mãe amada, plena de encômios, elogios e exageros.
    Não, não dá mais, Amália! Não estou conseguindo e não encontro mais o que dizer. Emoção e lágrimas estão atrapalhando nosso papo! Mas não posso deixar de lhe contar que o seu trabalho, o seu exemplo e o seu nome hoje é um patrimônio inestimável da cidade que você tanto amou. Por tudo que sei a seu respeito, Mãe você jamais poderia imaginar em vida o quanto era querida pelo seu povo.  
    Este provecto nonagenário, o jornal “ A Voz do Povo”, publicou, em setembro de 1940, uma excelente matéria na qual o Dr. Emmanuel Pereira das Neves, Juiz-Pretor do judiciário de então, a chamou de “jardineira da instrução”. E disse mais: “Lançando em boa terra sementes de instrução. D. Amália Teixeira Challoub, ainda moça viu-se cercada de uma auréola de simpatia e respeito. Os seus alunos, suas dedicadas flores, viram-se um dia privados de sua carinhosa assistência”. E ainda: “ A romaria ao túmulo de uma jardineira é de fato mais do que uma recompensa, é uma consagração.”  
     Queria Professora Amália Teixeira (Chalhoub, sim senhor!), poetas gregos já diziam que “aqueles que morrem jovens são abençoados dos deuses”. – Pois, naquele 28 de agosto “havia sol brilhando no céu azul e muitos cânticos dos pássaros na natureza. Tudo cantava, só nós chorávamos.”
Menos eu, Amália, que com três anos de idade, estava protegido pela inocência dos anjos.
A sua benção, Mãe! A gente se vê!

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